segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

O que você faz da vida?

        
   A pergunta do título está cada vez mais recorrente e creio que um dia ela ainda passe em importância a tradicional "Qual é o seu nome?". Impressionante como hoje em dia as pessoas se definem por sua profissão. Que fique claro que gosto muito da minha, tenho muito orgulho de servir o Brasil e estudei bastante para poder trabalhar com o que gosto, mas o meu trabalho não é o que sou. Nesssa época em que temos de "vestir a camisa da empresa", pega até mal falar assim. Parece que você é um mau funcionário, mas não é bem por aí. Trabalhar bem não significa transformar-se em um profissional em tempo integral.
      Não é de agora que nos importamos em saber o que o interlocutor faz da vida. Antigamente, chegou-se a incorporar a profissão ao sobrenome da família. Já ouvi dizer que "Ferreira" - e suas variantes Smith, Schmit, Herrera, etc..- é o sobrenome mais popular no mundo, em conseqüência da antes prestigiosa função de ferreiro.
    Em diversos países da América Latina é tradição dar destaque para a formação da pessoa. É muito comum o pessoal se apresentar como "Escribano" Fulano, "Arquiteto" Siclano, "Engenheiro" Beltrano, ou o genérico Licenciado, que significa que a pessoa tem alguma formação de nível superior. Por diversas vezes quando a pessoa se apresentou assim para mim fiquei meio sem reação. No ambiente de trabalho é claro que isso é o que deve ser feito, mas fora dele ainda não me acostumei ao fato das pessoas terem um título.
     A primeira vez que me dei conta desta nossa mania foi justamente estudando pro Rio Branco. Na prova de português, havia este texto de Mário Quintana sobre o assunto:

Cujas Canções
É costume cada um colocar sua profissão ou títulos nos cartões de visitas. No tempo das guerras cisplatinas até ficou famoso alguém que assim se apresentava: “José Maria da Conceição — tenente dos Colorados”. Ora, quem escreve estas linhas já recebeu alguns títulos da generosidade de seus conterrâneos. Se pusesse todos  eles, seria pedante; escolher um só seria indelicadeza para com os outros proponentes. Quanto a mim, sempre fui de opinião que bastava o nome da pessoa, sem a vaidade de títulos secundários. Mas eis que a minha camareira fez-me cair em tentação. Dá-se o caso que saiu a edição do meu livro Canções, ilustrado por Noêmia e que, ao ser noticiado por Nilo Tapecoara no Bric-à-brac da vida, este o publicou com o meu retrato em duas colunas e, abaixo do mesmo, uma notícia que assim principiava, com a  primeira linha impressa em letras maiúsculas: MÁRIO QUINTANA, CUJAS CANÇÕES etc. etc...
Ora, na manhã daquele dia, ao servir-me o café nacama, sia Benedita não podia ocultar o orgulho que lhe causava o seu hóspede e repetia: “Cujas canções, hein, cujas canções!”
O seu maior respeito era devido, sem dúvida, à misteriosa palavra “cujas”.


     Concordo com o autor quando diz que o nome da pessoa basta. O que vemos hoje em dia é algo desproporcional. É praticamente impossível manter uma conversa sem que se inicie o diálogo sobre o que o interlocutor faz da vida. Parece rabugice minha, porque a pergunta é muito natural, mas acho que as pessoas são muito mais do que apenas profissionais. Uma pequena busca pelo Twitter, lugar em que as pessoas devem se definir em poucas linhas, revela um mar de profissões, cursos, mestrados e pós-graduações. Não dá para sermos nós mesmos nem na internet.
     Outro texto obrigatório para o concurso e que recomendo vivamente é o conto "O Espelho", de Machado de Assis. Em resumo, a narrativa trata de um indivíduo que não conseguia mais se ver sem a farda da Guarda Nacional, que se tornou sua alma exterior. Era apenas assim, como alferes, que se reconhecia e era reconhecido. O que passou a valer era o título, não mais o indivíduo.
    O problema de se apresentar pela profissão é que o assunto sempre vira trabalho e há tantos assuntos mais interessantes do que falar de trabalho no horário de folga. O que dizer então daquele atendimentozinho básico que as pessoas pedem pro amigo médico no meio de um churrasco? Pedir olhadinha pro médico é igual pedir carona pra taxista, como dizem por aí. Por falar em médico, a definição "mulher de médico", muito comum no interior, é outra tristeza. A mulher pode ter estudado, ser uma ótima profissional, ter várias habilidades, ser uma dona de casa e mãe dedicada, mas vira "mulher de médico" aos olhos alheios.
     Acontece que, para muitos, a pessoa só é feliz se tem uma profissão socialmente considerada boa. Certa vez acompanhei uma conversa entre várias mães sobre os filhos. Um estava no doutorado, o outro em intercâmbio, outro terminando a pós, outro falava tantas línguas, tinha um que era diretor de empresa e tudo mais. Parecia que elas estavam jogando Super Trunfo de filhos. Só faltou chamar a mãe do Obama para estragar a brincadeira. Acho que se um dia minha mãe participasse desse tipo de exercício gostaria apenas que ela dissesse que sou feliz.
As pessoas têm que ser alguma coisa
    Falando de profissões e de como as pessoas se apresentam, uma que considero sensacional, além do clássico ex-BBB, é "Rainha de Bateria". Basta abrir as páginas dos jornais na internet que você encontrará alguém que se define como rainha de bateria. Acho o máximo! Como pode a pessoa ser, durante todo o ano, uma rainha de bateria de carnaval? É como se alguém dissesse, em setembro, que é entregador de ovos de páscoa ou papai noel de shopping.
   Mas em termos de autodefinição, acho que nada superará uma mulher que meu irmão conheceu. Quando perguntada sobre o que fazia da vida, ela respondeu: "sou ex-mulher de um dono de academia". Triste...
   Para terminar, um currículo que faz sucesso na internet:

"Eu já dei risada até a barriga doer, já nadei até perder o fôlego, já chorei até dormir e acordei com o rosto desfigurado.
Já fiz cosquinha na minha irmã só pra ela parar de chorar, já me queimei brincando com vela. Eu já fiz bola de chiclete e melequei todo o rosto, já conversei com o espelho, e até já brinquei de ser bruxo.
Já quis ser astronauta, violonista, mágico, caçador e trapezista.
Já me escondi atrás da cortina e esqueci os pés pra fora.
Já passei trote por telefone, já tomei banho de chuva e acabei me viciando.
Já roubei beijo, Já fiz confissões antes de dormir num quarto escuro pro melhor amigo. Já confundi sentimentos,
Peguei atalho errado e continuo andando pelo desconhecido.
Já raspei o fundo da panela de arroz carreteiro, já me cortei fazendo a barba apressado, já chorei ouvindo música no ônibus. Já tentei esquecer algumas pessoas, mas descobri que essas são as mais difíceis de se esquecer.
Já subi escondido no telhado pra tentar pegar estrelas, já subi em árvore pra roubar fruta, já caí da escada de bunda.
Conheci a morte de perto, e agora anseio por viver cada dia.
Já fiz juras eternas, já escrevi no muro da escola, já chorei sentado no chão do banheiro, já fugi de casa pra sempre, e voltei no outro instante.
Já saí pra caminhar sem rumo, sem nada na cabeça, ouvindo estrelas. Já corri pra não deixar alguém chorando, já fiquei sozinho no meio de mil pessoas sentindo falta de uma só.
Já vi pôr-do-sol cor-de-rosa e alaranjado, já me joguei na piscina sem vontade de voltar, já bebi uísque até sentir dormentes os meus lábios, já olhei a cidade de cima e mesmo assim não encontrei meu lugar.
Já senti medo do escuro, já tremi de nervoso, já quase morri de amor, mas renasci novamente pra ver o sorriso de alguém especial.
Já acordei no meio da noite e fiquei com medo de levantar.
Já apostei em correr descalço na rua, já gritei de felicidade, já roubei rosas num enorme jardim.
Já me apaixonei e achei que era para sempre, mas sempre era um "para sempre" pela metade.
Já deitei na grama de madrugada e vi a Lua virar Sol, já chorei por ver amigos partindo, mas descobri que logo chegam novos, e a vida é mesmo um ir e vir sem razão.
Foram tantas coisas feitas, momentos fotografados pelas lentes da emoção, guardados num baú, chamado coração.
E agora um formulário me interroga, me encosta na parede e grita: "- Qual sua experiência?"
Essa pergunta ecoa no meu cérebro: " Experiência...experiência..."
Será que ser "plantador de sorrisos" é uma boa experiência?
Não!!! Talvez eles não saibam ainda colher sonhos!"








4 comentários:

  1. Muito bom, PC!

    Bia, mulher de diplomata

    ResponderExcluir
  2. Mas, PC, é q tem mta gente q realmente é só vida profissional mesmo... mas é triste mesmo isso, né? Adoreeei o texto! Mto mto mto bom!!!

    ResponderExcluir
  3. Acho que hoje em dia, do jeito que a coisa vai, estamos mais pra 'Não dá para sermos nós mesmos muito menos na internet.'

    ResponderExcluir