terça-feira, 27 de novembro de 2012

Eu acredito em Saci

"Em briga de saci, qualquer chute é voadora"
Ditado caipira

     Já faz uns três anos que comecei a acreditar em Saci e deixar minha imaginação atribuir a esse mito caipira algumas peças de que somos vítimas no cotidiano.
     Desse modo ficou mais fácil saber quem trocou o sorvete por feijão no pote que estava no congelador, quem jogou água no chão do banheiro pra eu pisar de meia, quem desmarcou a página do livro que estava lendo ou quem empurrou minha mão na hora que eu estava abrindo o iogurte e fez o papel rasgar no meio. Isso sem falar nos inúmeros pés de meia perdidos, que ele levou pro meio do mato junto com aquele guarda-chuva que eu tinha certeza que estava no carro.
     Passei a me divertir mais com essa história. Quando vejo um cavalo correndo em disparada sozinho, tenho certeza que em cima dele estava o saci, cavalgando feliz com sua traquinagem.
    Comecei a me interessar por sacis quando ele se tornou um símbolo da resistência caipira contra a invasão mitológica gringa. Em São Luiz do Paraitinga criaram a Sosaci, sociedade dedicada a observar sacis. Que lindo poder falar para os outros que você viu um saci sem o menor constrangimento! Uma das vitórias do movimento foi a aprovação de lei estadual em São Paulo oficializando o dia 31 de outubro como o dia do saci. Com o halloween crescendo absurdamente, é interessante ver a data como uma oportunidade para relembrar nossos monstros da mitologia caipira. 
Para quem gosta do assunto, recomendo vivamente o principal livro sobre sacis: "Saci-Perere: o Resultado de um Inquérito", do Monteiro Lobato. Publicado em 1918, o livro é resultado das cartas de leitores do Estadão com depoimentos sobre o Saci. Logo depois, em 1921, Monteiro Lobato lançou o infantil "O Saci", que também é ótimo, um verdadeiro dicionário das lendas rurais do Brasil. 
A última grande aparição na mídia do Saci foi a campanha para que fosse escolhido mascote da Copa de 2014. Infelizmente não rolou, mas é legal ver que seu mito tem sido redescoberto e revalorizado. Quem sabe um dia não veremos tantos sacis no Brasil como Leprechauns na Irlanda?

Para finalizar, aqui vai a tatuagem de uma grande amigo, caipira também do Vale do Paraíba e um dos caras que mais entende de educação que já conheci, Daniel Leite:


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Estabilidade literária. O que você leu em 2012?

O que você está lendo de bom aí?
imagem: readtoday.com

"Livros não mudam o mundo,
quem muda o mundo são as pessoas.
Os livros só mudam as pessoas."
Mario Quintana

    Quando se fala em funcionário público, uma das primeiras coisas que vêm à cabeça é a famosa estabilidade. O que para muitos é sinônimo apenas de estabilidade financeira, às vezes ganha novos contornos. Para mim, há uma estabilidade fundamental, que por muito tempo ansiei: a estabilidade literária, ou "poder ler o que quiser e quando quiser".
    Comecei a gostar de ler meio tarde, no meio do 3° colegial, mas depois veio faculdade e concurso e acabei lendo muita coisa por obrigação. Hoje valorizo muito a sensação de chegar na livraria e escolher o livro por pura curiosidade, sem ter que resumir ou fazer fichamento porque serei cobrado. Claro que esse período não durará muito, pois em pouco tempo novos cursos virão e terei de me debruçar em leituras obrigatórias. Por isso, quis aproveitar essa boa fase em 2012 para ler autores novos e temas que nada têm a ver com o trabalho.
    Acredito que essa sensação é compartilhada por muitos colegas do Itamaraty, por isso pedi pra quem encontrei online no Fb que me indicassem seus destaques de 2012. Com cada um morando em um canto do mundo e com interesses diversos, o resultado pode ajudar quem quer ler coisa nova.  Não foram poucas as vezes que conversei com colegas que aumentaram muito sua carga de leitura no exterior, até pela escassez de opção de lazer em alguns lugares. Parafraseando novamente Mario Quintana: "O livro traz a vantagem de a gente poder estar só e ao mesmo tempo acompanhado". Quem mora em lugares sem muitas livrarias sabe a felicidade que é ver o pacote da Amazon na porta de casa!
Agradeço desde já a colaboração de cada um pro blog! Vamos lá para lista, com nome e lugar em que mora hoje em dia. Tem gente que indicou mais de um livro e, como o importante é passar informação, aí estão todos:

Rodrigo Papa (Brasília)
  • "Travessuras da Menina Má",  Mario Vargas Llosa
  • "Rio das Flores", Miguel Sousa Tavares
Marcela (Japão)
  • "1Q84", Haruki Murakami
Sarah (Brasília)
  • "Maus", Art Spiegelman
 Paulo Thiago (Brasília)
  • "Teoria Geral do Esquecimento",  José Eduardo Agualusa
Igor (Brasília)
  • "Desde que o Samba é Samba", Paulo Lins
  • "A Confissão da Leoa",  Mia Couto
Fabiano (Argentina)
  • "A Short History of Byzantium", John Julius Norwich
Diego Kullmann (Paraguai)
  • "Relampagos", de Ferreira Gullar
  • "Tractatus Logico-Philosophicus", Wittgenstein, (edição de 1968, com tradução e apresentação (excelente!) de José Arthur Giannotti.) *nota do Diego
  • "Bim Bom- A contradição sem conflitos de João Gilberto", Walter Garcia
 Edson (Angola)
  • "Naturaleza, Historia, Dios", Xavier Zubiri.
Luiz Gustavo Bacharel (Brasília)
  • "Apologia de Sócrates" e "O Banquete",  Platão
  • "Quintal de Memórias", Tufy Habib
 Fabiana (Brasília)
  • "A Queda dos Gigantes" , Ken Follet
  • "O Inverno do Mundo", Ken Follet
Helder (Brasília)
  • "The Inner Game of Tennis", W Thimothy Gallway
Daniel (Haiti)
  • "Travesty in Haiti", Timothy Schwarz
  • "Os Crimes de Napoleão", Claude Ribbe
  • "A Ilha sob o Mar", Isabel Allende
Vicente (Brasília)
  • "Proud to be a Mammal",  Czeslaw Milosz
Joaquim (Peru)
  • "The Passage",  Justin Cronin
 Miguel (Holanda)
  •  "Le Monde d'Hier",  Stefan Zweig
  • "El Sentimiento Trágico de la Vida", Miguel de Unamuno
Daniella (Azerbaijão)
  • "The Shock Doctrine - The Rise of Disaster Capitalism", Naomi Klein
Ramiro (Irã)
  • "Jerusalem: a Biography", Simon Sebag Montefiore
Paulo Augusto (Brasília)
  • "On China", Henry Kissinger.
Caio (Kwaite)
  • "Pornopopeia", Reinaldo Moraes
  • "O Império é Você", Javier Moro
Rafael Paulino (Tailândia)
  • "Chabadabadá",  Xico Sá
Irineu (Uruguai)
  • "Viajes y otros viajes", Antonio Tabucchi.  
Maria Luiza (Brasília)
  • "HABIBI", Craig Thompson
  • "Persépolis", Marjane Satrapi
Paulo Henrique (Namíbia)
  • "The Kaiser's Holocaust", David Olusoga
  • "My Father's Country: Story of a German Family", Wibke Bruhns
Alex (Síria)
  • "A Visit from the Goon Squad", Jennifer Egan
  • " The Hunger Games", Suzanne Collins
 Nil (Brasília) 
  •  "O Triunfo do Fracasso", Rüdiger Bilden
  • " O Amigo Esquecido de Gilberto Freyre Freyre", Maria Lúcia Garcia Pallares-burke 
Filipe Abbott ( Brasília)
  • "Arte da Política",  Fernando Henrique Cardoso 
André (Eslovênia)
  • "After Dark",  Haruki Murakami
Juliana (Quênia)
  • "Orlando", Virginia Woolf
Ezequiel (Brasília)
  • "10 dias que Abalaram o Mundo", John Reed. 
Marcelo Gameiro (Brasília)
  • "London Triptych", Jonanthan Kemp
  • "Nemesis", Phiip Roth
  •  "Rock Creek Park", Simon Conway
  • "Snowdrops", Andre Miller
  • "The Sense of an Ending", Julian Barnes
  • "Murder at the Windsor Club", Stephen Stanley
 Paulo Cezar, vulgo eu mesmo (Paraguai)
  • "Eu receberia as piores notícias dos seu lindos lábios", Marçal Aquino
 E você? O que indicaria de leitura para 2013?


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Precisa estudar muito para ser diplomata?


"Eu acredito demais na sorte e tenho constatado que, quanto mais duro eu trabalho, mais sorte eu tenho." Thomas Jefferson

Hoje vou quebrar uma das regras deste blog que era não falar do trabalho, mas depois de responder pela 10ª vez a pergunta do título do post eu precisava desabafar. 
Mesmo passado algum tempo da aprovação no concurso do Rio Branco, de vez em quando aparece algum amigo de amigo que quer dicas sobre como passar na prova. No meio de perguntas gerais surgem umas mais engraçadas. Para uma amiga perguntaram se precisava tocar piano e para mim já perguntaram umas três vezes se tem mesmo que morar na África. Eu juro que respondo a todos com a maior boa vontade, até que vem a famosa pergunta, presente em 9 de cada 10 emails de candidatos: "É preciso estudar muito?"
A vontade inicial é responder que não precisa, pois, assim como a Telesena, são aprovados os que fazem mais e menos pontos na prova.  Mas, como eu sou vice-campeão do Prêmio Nobel da paciência- perdendo apenas para o Dalai Lama (injustamente, porque ele nunca foi casado)- acabo respondendo que sim, precisa.
O que me dá um pouco de incômodo é pensar que por trás de "É preciso estudar muito?" ou "Precisa ler tudo mesmo?" existe um claro desejo de obter uma aprovação sem esforço, com jeitinho.
Lembro quando tive minha primeira reprovação no concurso e fui chorar as mágoas com minha professora de inglês. A conversa que tive foi muito importante para rever meu conceito sobre aprovação e reprovação. Ela me fez entender que não deveria pensar que fui reprovado, mas, sim, que não havia ainda adquirido o conhecimento necessário para exercer a carreira diplomática. Parece uma "tucanização" da reprovação, mas há uma filosofia interessante por trás disso. A prova nada mais é do que um reflexo do seu conhecimento sobre os temas que o Ministério acha necessário que um servidor tenha minimamente. Se você ainda não os tem e não quer estudar muito para adquiri-los, porque querer entrar na carreira? Perguntar se precisa gostar de estudar pra ser diplomata é mais ou menos perguntar se precisa gostar de correr para ser maratonista. Não que todos diplomatas sejam apaixonados por estudar e façam isso nas horas vagas, mas são pessoas que tiveram a clara consciência de que em uma fase de suas vidas foi preciso concentrar-se em estudar para adquirir o nível de conhecimento exigido pelo trabalho que escolheram. 
Nós geralmente temos uma visão muito negativa de provas, pois as encaramos como carrascos prontos para nos derrotar de forma injusta. Dificilmente as vemos como uma forma de medir o conhecimento que adquirimos durante os meses de estudo. Acredito que elas nada mais são do que isso, simples termômetros. Essa desmistificação da prova é fundamental, pois nos permite focar no que realmente importa, que é a nossa preparação e nosso estudo. Quanto mais você estudar, mais confiante fica e menos chance haverá de cair algo que você não sabe. Aquela máxima "não existe questão difícil, você que estudou pouco" é cruel, mas não deixa de ter um fundo de verdade. 
Uma teoria que apliquei e funcionou muito bem pra me ajudar a ter o equilíbrio emocional necessário é pensar em cada matéria como um balde a ser preenchido com areia. O concurso então tinha 9 matérias, que seriam 9 baldes que eu deveria preencher com pelos menos 60% de areia (conhecimento) cada, para então ingressar "naturalmente" na carreira. Alguns baldes, como o de Inglês, exigiam mais dedicação e tempo para serem preenchidos; outros, como História e Geografia, eu já vinha da faculdade com algum conhecimento e por isso precisei de menos esforço pra chegar aos 60 - 70%. Pensar dessa maneira me permitia focar na preparação para exercer a carreira e evitava que eu concentrasse meus pensamentos negativamente na dificuldade da prova. 
Para finalizar o post-desabafo, acredito que no Brasil ainda temos uma imagem muito negativa dos estudos. Temos medo de ter de estudar para alcançar algum objetivo. Desde a escola lembro que aqueles que estudam, prestam atenção nas aulas e vão bem nas provas são alvos de brincadeira dos amigos. Quem nunca zuou um cdf aqui? Na Coréia do Sul, ao contrário, os campeões das olimpíadas de matemática são ídolos nacionais. O reflexo disso na sociedade é claro e não preciso me alongar.
No começo, quando me perguntavam da dificuldade do concurso, eu tentava não parecer pedante ao dizer que é muito difícil. Hoje me sinto mais confortável e digo que sim, que exige muita dedicação e preparação, com a consciência de que isso não me faz ser melhor nem pior do que ninguém. Sou apenas alguém que dedicou alguns anos da vida a apenas estudar e por isso alcançou o que queria, como ocorre com um atleta que compete melhor porque treinou o um cantor que canta melhor porque praticou, e assim por diante. 
No pain no gain!

Para saber mais sobre o concurso e a carreira ai vão alguns links interessantes: