Desde 26 de julho último, este humilde blog destinado, até então, à "análise de coisas sem a menor importância no mundo", recebeu uma avalanche de acessos. Até o presente momento foram exatamente 4.200 leitores do texto sobre o que fazer em São José dos Campos. Além da grata surpresa, isso me trouxe alívio e alegria.
Alívio de saber que não sou o único louco pela cidade. A paixão por São José me persegue desde sempre. Quantas vezes tive que segurar aquela frase sobre a cidade para não ter que ouvir de novo: lá vem o chato falar bem de São José. Dentro de casa então, falar de São José para minha bauruense é ouvir um "ai, chega de São José né" automático. Faz sentido, pois já são quase quatro anos de doses diárias sobre as proezas da Capital do Vale. Eu não me agüento.
Que alegria ler nos comentários que muita gente viveu momentos tão felizes na cidade e que ela é tão querida por todos. Foi bom saber que o texto propiciou uma volta à infância para muitos. Dei muita risada com os comentários e agradeço cada um que ajudou a divulgar nossa cidade pela rede.
Faltou muito item na lista, mas isso é prova de que temos uma cidade múltipla, que permite diferentes experiências de vida, ainda que marque a cada um de nós com uma experiência em comum.
Para encerrar o ciclo joseense do blog, versos do nosso mais ilustre conterrâneo, Cassiano Ricardo, nome de biblioteca, escola, avenida, etc...:
A flauta que me roubaram
Era em S. José dos Campos. E quando caía a ponte eu passava o Paraíba numa vagarosa balsa como se dançasse valsa. O horizonte estava perto. A manhã não era falsa como a da cidade grande. Tudo era um caminho aberto. Era em S. José dos Campos no tempo em que não havia comunismo nem fascismo pra nos tirarem o sono. Só havia pirilampos imitando o céu nos campos. Tudo parecia certo.
O horizonte estava perto. Havia erros nos votos mas a soma estava certa. Deus escrevia direito por pequenas ruas tortas. A mesa era sempre lauta. Misto de sabiá e humano o vizinho acordava tranqüilo, tocando flauta. Era em S. José dos Campos. O horizonte estava perto. Tudo parecia certo admiravelmente certo.
Muita gente reclama que em São José não há nada para se fazer. Eis o que diz o Desciclopédia sobre a cidade: "O único orgulho dos moradores da cidade é dizer que ela fica a uma hora
de qualquer parte do mundo. A uma hora de São Paulo, a uma hora do
litoral, a uma hora de Campos do Jordão, a uma hora do Rio de Janeiro, a
uma hora de Aparecida, a uma hora de Nova Iorque e Paris. Ou seja, não
tem porra nenhuma pra fazer aqui, pois tem-se tudo em uma hora".
Para responder ao Desciclopédia e comemorar o aniversário da cidade, ai vão dicas do que fazer na capital da aviação:
1- Passear de carro no centro e contar para os visitantes que ali funcionava o único McDonald's a falir no mundo.
2- Comer pipoca com queijo do tio uruguaio no Parque Santos Dumont.
3- Comer bolinho caipira nas festa juninas.
4- Correr no Vicentina Aranha no final da tarde admirando a arquitetura.
5- Andar de bicicleta nas ruas do Urbanova.
6- Tomar caldo de cana na Anchieta.
7- Comer o churrasquinho de gato em frente ao Extra do CTA.
7b-Contar a experiência depois, porque não conheço ninguém que tenha comido, apesar do ótimo cheiro.
8- Beber o famoso chopp do Coronel.
9- Assistir um jogo do São José no Martins Pereira e reclamar do time.
10- Comer o famoso pintado no Vila Velha.
11- Comer o quibe cru do Al Badah.
12- Descer de skate a ladeira do Urbanova apreciando o visual da Mantiqueira.
13- Assitir o pôr do sol na Anchieta e fazer valer o dinheiro do contribuinte gasto na construção do mirante.
14- Comer pastel com guaranazinho do sul de Minas no Mercado Municipal.
15- Tomar caldinho no São Dimas no frio.
16- Ir para Caraguá no final de semana e envolver-se numa briga.
17- Ir no Anexo, ver as pessoas de sempre e disputar uma cerveja.
18- Sair da balada e entupir-se de esfiha no Habib's.
19- Sentir frio na barriga na descida do Habib's. Se for depois da balada, levantar as mãos como numa montanha russa.
20- Ficar com a mesma pessoa que seu amigo(a)/primo(a)/irmão(ã) já ficou.
21- Jogar rugby no Maconhão.
22- Assisitir ao time de basquete no ginásio da Associação.
23- Fazer aula de ginástica olímpica com o Luiz Assunção.
24- Procurar bicho-preguiça na Praça do Sapo.
25- Chamar de caipira quem é de Caçapaca, Jacareí e região.
26- Ir na balada das cidades vizinhas. (Vide n° 20)
27- Conhecer o Henrique famoso.
28- Decorar as musiquinhas da TV Vanguarda.
29- Tomar uns goró no Disque Bebidas.
30- Ir na saída de aula das outras escolas durante a adolescência.
31- Conhecer o CTA e a arquitetura do Niemeyer de seus prédios.
32- Passear pelo Parque da Cidade e admirar a casa de Olivo Gomes, com seus jardins de Burle Marx.
33- Assitir o show do Peleco no mínimo 18 vezes.
34- Perceber que mais um prédio surgiu no Aquárius.
35- Visitar o jardim japonês na subida do Aquarius e não entender o por que de ter sido construído ali.
36- Visitar o Memorial Aeroespacial Brasileiro.
37- Observar os aviões da Embraer cruzando o céu da cidade.
38- Ir a uma festa no Luso e sentir que andou mil quilômetros.
39- Sentir-se sozinho porque todo mundo viajou, afinal, tudo está a uma hora de distância.
40- Andar de Pássaro Marrom.
41- Ver a UNIP na Dutra, achar que chegou em casa e ligar pra alguém buscar na rodoviária.
. 42- Acreditar que as maiores invenções brasileiras, desde o avião até os satélites, foram feitos pelos alunos do ITA.
43- Fazer ballet na Ana Araújo ou na Cristina Cará.
44- Tirar foto com os aviões do Parque Santos Dumont.
45- Comemorar o título do seu time na Av. 9 de julho.
46- Comer uma coxinha da Marinella.
47- Conhecer o Estrela Night Club após uma bebedeira.
48- Passear em São Francisco Xavier, principalmente no Festival Literário.
49- Visitar os parentes em outra cidade, afinal quase ninguém tem pai/mãe joseense.
50- Visitar a Biblioteca Cassiano Ricardo.
51- Escolher algum shopping pra dar um rolê ou fazer compras no calçadão.
52- Passear pela Praça Afonso Pena e saudar o Lunático Dançarino.
53- Ler o Vale Paraibano.
54- Ver notícias da Fabiola Molina ou do André Azevedo no caderno de esporte.
55- Tentar explicar pro visitante o que é o Banhado.
56- Comer o sanduíche do Kadu na 9 de julho depois da balada e entupir de molhos e maioneses.
57- Explicar que quem nasce em São José não é saojoseense.
58- Ficar parado 5 minutos no Anel Viário e já pensar: Nossa, o trânsito está ficando igual ao de São Paulo.
59- (Antes tarde do que nunca), atualizando para colocar o Açaí do sábado à tarde! É o item mais falado nos comentários! Joseense gosta e muito de açaí!
60- Comentar este post aqui com mais dicas!
Agradeço a colaboração dos amigos joseenses, que ajudaram a enriquecer esta lista!
Atualização:
Caros amigos joseenses,
Esse texto acabou rendendo boas surpresas! Ele foi incorporado a um livro sobre São José, que foi enterrado pela Prefeitura numa cápsula do tempo que será aberta só em 2067, quando a cidade completar 300 anos.
A outra surpresa foi que o texto virou música pelas mãos do Adilson Ivan Junior da Costa, da banda Johnny Créu! Muito bom! Valeu Adilson!
Às vezes um presente te faz buscar na memória todo o seu passado com relação a um tema. Foi o que ocorreu quando fui buscar um objeto misterioso que o correio paraguaio disse estar a minha espera no depósito central. Tive a surpresa de receber um livro de poesias de autoria de um grande amigo, Pedro Ernesto Cursino, que escondia um poeta dentro da sua mais conhecida faceta de grande jogador de rugby e parceiro de infância! E o presente chegou justo numa fase de redescoberta com o universo poético.
Relatos e Devaneios
Minha relação com a poesia, devo confessar, nunca tinha sido muito boa. Não sei por quê, mas sempre tive um bloqueio desde criança. Talvez tenha sido meu exagerado apego à realidade, que até hoje me impede de ir ao teatro ou ver novela, por não gostar de interpretação. Vai saber...
A relação, que já não era boa, foi por água abaixo quando me deparei com esse poema do Drummond na minha vida:
Legado
Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu? Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia no meio do caminho.
O problema não foi o poema em si, mas o fato dele ter aparecido na segunda fase do concurso do Itamaraty. Pela primeira vez na história os candidatos teriam que escrever 3 infinitas páginas sobre um poema. Eu simplesmente entrei em desespero e escrevi o que pude, sobre o tema do legado, fingindo não ter visto o poema. Há relatos de gritos no banheiro de pessoas em igual situação, ainda durante a aplicação da prova:
- C****, eu sou engenheiro, não entendo de poema! Por que justo no meu ano vai cair um raio de um poema!
Deu no que deu. Nota de 59,75 quando eram necessários 60/100. Fui salvo apenas duas semanas depois, graças a uma marcação errada no meu texto sobre Graciliano Ramos. Nada como uma prosa para ajudar.
O trauma poético só começou a passar nos últimos meses, quando comecei a ler a obra de Cassiano Ricardo. Apesar de ter estudado na escola com seu nome e de Cassiano Ricardo dar nome a importantes instituições e ruas da minha cidade, como a charmosa biblioteca municipal de São José dos Campos, nunca o tinha lido até muito recentemente. E comecei a ler mais pelo amor a São José do que pelo amor à poesia, mas acabei gostando:
Biblioteca Cassiano Ricardo
"Era em S. José dos Campos. E quando caía a ponte eu passava o Paraíba numa vagarosa balsa como se dançasse valsa (...)"
(...)Era em S. José dos Campos. O horizonte estava perto. Tudo parecia certo admiravelmente certo."
Trecho de "A Flauta que me roubaram"
Hoje, vindo pro trabalho, lembrei-me dos encontros de família da minha vó Laura, em Itajubá. Incentivados pelo meu pai, os parentes portugueses se revezam em declamar poesias sobre a terra que deixaram, fazendo jus à veia poética que foi herança do meu bisavô, professor de português em Pouso Alegre. Com paixão pela língua portuguesa, entoavam versos de amor à Portugal, com frases de Camões e Fernando Pessoa. Lembro de minha vó, que ouvia tudo atentamente, sempre dizer ao meu pai, com lágrimas nos olhos:
- Ó Walter, esses versos me dão uma saudade de Portugal.
Foi numa dessa ocasiões que decorei pela primeira vez, ainda criança, uma poesia:
"Ó mar salgado, quanto do teu sal. São lágrimas de Portugal".
Acho que, além de aprender um verso, nessa ocasião pude entender um pouco desse meu gosto pela melancolia, que pelo jeito herdei do sangue português:
Aos meus olhos de menino, era mais divertido ver a desinibição daquelas
tias-avó em frente ao público do que propriamente a poesia declamada. Hoje, queria estar novamente nessas tardes de poesia em Itajubá, para que meu filho pudesse ver como era linda a língua portuguesa declamada pelas poetisas da família.
Pra finalizar, um poema de Floberla Espanca, narrado pela atriz portuguesa Eunice Muñoz, que dá um gostinho de ouvir poesia portuguesa lida com sotaque português. No fim, a poesia musicada por Fagner: