Às vezes um presente te faz buscar na memória todo o seu passado com relação a um tema. Foi o que ocorreu quando fui buscar um objeto misterioso que o correio paraguaio disse estar a minha espera no depósito central. Tive a surpresa de receber um livro de poesias de autoria de um grande amigo, Pedro Ernesto Cursino, que escondia um poeta dentro da sua mais conhecida faceta de grande jogador de rugby e parceiro de infância! E o presente chegou justo numa fase de redescoberta com o universo poético.
Relatos e Devaneios |
Minha relação com a poesia, devo confessar, nunca tinha sido muito boa. Não sei por quê, mas sempre tive um bloqueio desde criança. Talvez tenha sido meu exagerado apego à realidade, que até hoje me impede de ir ao teatro ou ver novela, por não gostar de interpretação. Vai saber...
A relação, que já não era boa, foi por água abaixo quando me deparei com esse poema do Drummond na minha vida:
Legado
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia no meio do caminho.
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia no meio do caminho.
O problema não foi o poema em si, mas o fato dele ter aparecido na segunda fase do concurso do Itamaraty. Pela primeira vez na história os candidatos teriam que escrever 3 infinitas páginas sobre um poema. Eu simplesmente entrei em desespero e escrevi o que pude, sobre o tema do legado, fingindo não ter visto o poema. Há relatos de gritos no banheiro de pessoas em igual situação, ainda durante a aplicação da prova:
- C****, eu sou engenheiro, não entendo de poema! Por que justo no meu ano vai cair um raio de um poema!
Deu no que deu. Nota de 59,75 quando eram necessários 60/100. Fui salvo apenas duas semanas depois, graças a uma marcação errada no meu texto sobre Graciliano Ramos. Nada como uma prosa para ajudar.
O trauma poético só começou a passar nos últimos meses, quando comecei a ler a obra de Cassiano Ricardo. Apesar de ter estudado na escola com seu nome e de Cassiano Ricardo dar nome a importantes instituições e ruas da minha cidade, como a charmosa biblioteca municipal de São José dos Campos, nunca o tinha lido até muito recentemente. E comecei a ler mais pelo amor a São José do que pelo amor à poesia, mas acabei gostando:
Biblioteca Cassiano Ricardo |
"Era em S. José dos Campos.
E quando caía a ponte
eu passava o Paraíba
numa vagarosa balsa
como se dançasse valsa (...)"
E quando caía a ponte
eu passava o Paraíba
numa vagarosa balsa
como se dançasse valsa (...)"
(...)Era em S. José dos Campos.
O horizonte estava perto.
Tudo parecia certo
admiravelmente certo."
O horizonte estava perto.
Tudo parecia certo
admiravelmente certo."
Trecho de "A Flauta que me roubaram"
Hoje, vindo pro trabalho, lembrei-me dos encontros de família da minha vó Laura, em Itajubá. Incentivados pelo meu pai, os parentes portugueses se revezam em declamar poesias sobre a terra que deixaram, fazendo jus à veia poética que foi herança do meu bisavô, professor de português em Pouso Alegre. Com paixão pela língua portuguesa, entoavam versos de amor à Portugal, com frases de Camões e Fernando Pessoa. Lembro de minha vó, que ouvia tudo atentamente, sempre dizer ao meu pai, com lágrimas nos olhos:
- Ó Walter, esses versos me dão uma saudade de Portugal.
Foi numa dessa ocasiões que decorei pela primeira vez, ainda criança, uma poesia:
"Ó mar salgado, quanto do teu sal. São lágrimas de Portugal".
Acho que, além de aprender um verso, nessa ocasião pude entender um pouco desse meu gosto pela melancolia, que pelo jeito herdei do sangue português:
Aos meus olhos de menino, era mais divertido ver a desinibição daquelas
tias-avó em frente ao público do que propriamente a poesia declamada. Hoje, queria estar novamente nessas tardes de poesia em Itajubá, para que meu filho pudesse ver como era linda a língua portuguesa declamada pelas poetisas da família.
Pra finalizar, um poema de Floberla Espanca, narrado pela atriz portuguesa Eunice Muñoz, que dá um gostinho de ouvir poesia portuguesa lida com sotaque português. No fim, a poesia musicada por Fagner:
Ah, Florbela!
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