domingo, 17 de outubro de 2010

Visita à destilaria da Jack Daniel's em Lynchburg, TN

Eu e o grande Jack Daniel

Seguindo os conselhos do guia de viagem, que dava como imperdível a visita à Jack Daniel's, lá fomos nós em direção a Lynchburg, no Tennessee, estado cujo nome deve ter sido dado por um gago. Estávamos meio descrentes, achando que a visita seguiria o padrão da Guinness em Dublin e da Coca-Cola em Atlanta: pague a entrada, veja nosso museus com fotos, quinquilharias, peças publicitárias, beba um copo, compre na loja e vá embora feliz. Ainda bem que estávamos enganados.
Saindo de Nashville, andamos 1h30 e chegamos à destilaria, que fica na beira da estrada. As surpresas boas já começaram na entrada. Apesar de não entender quase nada  do que a velhinha da recepção falou, entendemos que era de graça e já ficamos muito felizes. Greaaaat Success! Esperamos uns 40 minutos para nossa vez de fazer o tour. Enquanto isso, ficamos em um pequeno museu, aprendendo sobre a história e a produção do Jack Daniel´s.
O começo do tour é numa sala de cinema, como sempre, para ver o vídeo explicativo da bebida. Mas o guia, com toda razão, falou que não precisaríamos ficar vendo vídeo e que podíamos começar logo a visita. Aí começou a surpresa, quando o guia disse que deveríamos esperar um ônibus que nos levaria para conhecer a fábrica, uma vez que o tour consistia realmente em conhecer a produção. Só não poderíamos tirar fotos da produção, sob risco de espionagem industrial. O guia foi extremamente didático, mas difícil entender tudo, principalmente as piadas né.
Vimos a produção do carvão, utilizado para filtrar o destilado, antes de entrar no barril. Como tudo na produção da Jack Daniel's, o carvão também é fabricado na destilaria, a partir da sugar-maple, aquela árvore originária de Campos do Jordão (hahahahha). Aliás, é essa filtragem pelo carvão que diferencia a produção do Whiskey do Tennessee. Ela é conhecida como Lincoln County Process, condado ao qual pertencia a cidade de Lynchburg. Durante o tour, dizem que toda a madeira é fornecida nos arredores e que foi comprovado que quanto mais alta a árvore, melhor sai o carvão. Achei meio exagerado dizer que o tamanho da árvore que vai gerar o carvão tem alguma influência no gosto da bebida. Mas o whiskey vive muito de mitos e esse foi só mais um.
Depois, fomos conhecer a gruta de onde sai a água utilizada na produção do whiskey. Como sempre, a água também é dada como diferencial. Acho que este mito que envolve a água na produção da bebida advém do fato de ser o único produto da produção que pode ser totalmente monopolizado. Você não consegue se diferenciar muito no centeio, no malte, no lúpulo, mas a água de uma reserva você pode dizer que é só sua e que ela tem algo que as outras não tem. Acontece com a Guinness e sua água das Wicklow Mountains, cujo contrato de forncecimento é de 9 mil anos (isso mesmo!), e não foi diferente na Jack Daniel's. A água também é um mito da cerveja de Ribeirão.
Voltando à visita, fomos conhecer o escritório onde Jack trabalhava. Uma casinha simples de madeira, onde aprendemos que um dos lemas da empresa é não chegar cedo no trabalho, uma vez que Jack morreu ao chegar cedo e chutar um cofre por não lembrar da senha, adquirindo um infecção que o levou à morte. Que bela filosofia! Atrás da antiga sede está a atual, um prédio não muito maior, que nos ensina o grande lema da empresa: Keep it simple! Incrível saber que o whiskey americano mais vendido no mundo tem sua sede numa casa pequena que fica numa cidade minúscula. Segundo o Atlas Mundial do Whiskey, Lynchburg é a cidade pequena mais famosa do mundo.
Depois fomos conhecer efetivamente a produção. Por ser sábado, estava tudo parado, mas nada que evitasse a diversão. Vimos o processo de fermentação, da filtragem e, por fim, o estoque de barris. Aliás, a parte dos barris foi a mais legal pra mim. Eles produzem seus próprios barris e os utilizam apenas uma vez. Segundo o guia, depois vendem os usados para a Escócia para ajudar a produção deles hahahahaha. Esta é a parte mais artesanal da produção. O barril é feito de carvalho americano e não leva um prego. A madeira é aquecida na produção e libera um pouco do seu açúcar caramelizado. Depois de colocado no barril, o whiskey permanece lá por mais ou menos 4 anos. Eles são submetidos às mudanças do tempo: quando está quente o barril expande, permitindo que o líquido penetre na madeira adquindo sabor; no inverno, o barril contrai e expele o líquido e o sabor adquirido. Por estar em uma região de clima temperado e de mudanças bruscas, a interação é intensificada. O cheiro dos barris no estoque é indescritível, dá vontade de se esconder do guia e passar o dia lá. Como dizem na visita, o whiskey não é colocado no barril: ele é confiado ao barril.
Um dos argumentos da Jack Daniel´s é que o whiskey deles não é envelhecido, e sim, amadurecido. Acho que a estratégia serve para evitar o "rótulo" de whiskey 4-6 anos, tempo que fica no barril e que é bem menor do que o dos demais whiskeys. Após este período, que pode variar, um especialista analisa se o whiskey já pode ser envazado.
Durante a visita, passa-se por um Hall da Fama. Lá estão os nomes daqueles que se dispuseram a desembolsar de 9 a 12 mil dólares para ter um barril para chamar de seu. Com esse valor, você compra um barril selecionado por um especialista, geralmente aqueles barris que ficam no alto dos estoques e sofrem mais ações do tempo, intensificando o sabor. O barril enche 240 garrafas de Single Barrel que vêm personalizadas. Você também recebe o barril em casa e ganha uma tampa com seu nome, além de ficar estampado no Hall da Fama da destilaria. A destilaria também garante o aumento do número de amigos. Os grandes compradores do Single Barrel são as organizações militares, segundo o guia. Ótimo para um casamento também né. Eles entregam no mundo inteiro.
No final, chega-se à lojinha. Aliás, ainda não contei o detalhe mais importante da visita: a Jack Daniel's fica num condado onde é proibido beber, desde a lei seca americana. Isso mesmo, a maior destilaria americana e uma das maiores do mundo fica numa região onde beber é estritamente proibido. Minha cabeça brasileira demorou para entender como uma potência econômica como é a Jack Daniel's não consegue reverter uma lei local. Acontece que Lynchburg não tem votos suficientes para reverter a lei, numa região marcada pelo fundamentalismo religioso cristão.
Mas nada que atrapalhe o passeio. No final, compramos uma garrafada do Single Barrel e uma do Gentleman Jack, que passa duas vezes pelo filtro de carvão. As garrafas vieram com um selo de que foram compradas lá.
Depois da visita à destilaria, fomos a Lynchburg. É, sem dúvida, a menor cidade a que já fui. É só uma praça, com casas em volta. Para achar onde comer foi um sacrifício. Recorremos ao hamburguer. A loja com produtos da Jack Daniel's fica lá e é bem legal. Tem tudo que se pode imaginar. Ficamos só nos copos, mas dava pra comprar coisas pra casa inteira. Vendem, inclusive, pedações de barril.
A visita à Jack Daniel's foi mais do que um passeio. Para mim, serviu para mostrar que os valores em que acredito não são utópicos. Mesmo em cidades pequenas, mantendo as coisas simples, é possível criar um dos produtos mais conhecidos no mundo. Sem stress, com eficiência, sem se levar muito a sério.

 Dá pra levar um desses pra casa a partir de 9 mil dólares

 Estão aqui os ingredientes.
 Escritório do Jack.
 Maple tree com o tronco preto, como ficam todas as árvores em volta da destilaria.
 Quem não queria trabalhar num ambiente assim?
Saindo da destilaria, com os produtos muito bem embalados...

Abaixo, Jack e a gruta de onde vem a água.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo post. Muito esclarecedor, divertido. Excelente linguagem. Gostei de ler.

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  2. Muito legal, to tomando um Jack agora, por isso vim pesquisar a respeito!
    Que legal viu! :)

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