Eu e o grande Jack Daniel
Seguindo os conselhos do guia de viagem, que dava como imperdível a visita à Jack Daniel's, lá fomos nós em direção a Lynchburg, no Tennessee, estado cujo nome deve ter sido dado por um gago. Estávamos meio descrentes, achando que a visita seguiria o padrão da Guinness em Dublin e da Coca-Cola em Atlanta: pague a entrada, veja nosso museus com fotos, quinquilharias, peças publicitárias, beba um copo, compre na loja e vá embora feliz. Ainda bem que estávamos enganados.
Saindo de Nashville, andamos 1h30 e chegamos à destilaria, que fica na beira da estrada. As surpresas boas já começaram na entrada. Apesar de não entender quase nada do que a velhinha da recepção falou, entendemos que era de graça e já ficamos muito felizes. Greaaaat Success! Esperamos uns 40 minutos para nossa vez de fazer o tour. Enquanto isso, ficamos em um pequeno museu, aprendendo sobre a história e a produção do Jack Daniel´s.
O começo do tour é numa sala de cinema, como sempre, para ver o vídeo explicativo da bebida. Mas o guia, com toda razão, falou que não precisaríamos ficar vendo vídeo e que podíamos começar logo a visita. Aí começou a surpresa, quando o guia disse que deveríamos esperar um ônibus que nos levaria para conhecer a fábrica, uma vez que o tour consistia realmente em conhecer a produção. Só não poderíamos tirar fotos da produção, sob risco de espionagem industrial. O guia foi extremamente didático, mas difícil entender tudo, principalmente as piadas né.
Vimos a produção do carvão, utilizado para filtrar o destilado, antes de entrar no barril. Como tudo na produção da Jack Daniel's, o carvão também é fabricado na destilaria, a partir da sugar-maple, aquela árvore originária de Campos do Jordão (hahahahha). Aliás, é essa filtragem pelo carvão que diferencia a produção do Whiskey do Tennessee. Ela é conhecida como Lincoln County Process, condado ao qual pertencia a cidade de Lynchburg. Durante o tour, dizem que toda a madeira é fornecida nos arredores e que foi comprovado que quanto mais alta a árvore, melhor sai o carvão. Achei meio exagerado dizer que o tamanho da árvore que vai gerar o carvão tem alguma influência no gosto da bebida. Mas o whiskey vive muito de mitos e esse foi só mais um.
Depois, fomos conhecer a gruta de onde sai a água utilizada na produção do whiskey. Como sempre, a água também é dada como diferencial. Acho que este mito que envolve a água na produção da bebida advém do fato de ser o único produto da produção que pode ser totalmente monopolizado. Você não consegue se diferenciar muito no centeio, no malte, no lúpulo, mas a água de uma reserva você pode dizer que é só sua e que ela tem algo que as outras não tem. Acontece com a Guinness e sua água das Wicklow Mountains, cujo contrato de forncecimento é de 9 mil anos (isso mesmo!), e não foi diferente na Jack Daniel's. A água também é um mito da cerveja de Ribeirão.
Voltando à visita, fomos conhecer o escritório onde Jack trabalhava. Uma casinha simples de madeira, onde aprendemos que um dos lemas da empresa é não chegar cedo no trabalho, uma vez que Jack morreu ao chegar cedo e chutar um cofre por não lembrar da senha, adquirindo um infecção que o levou à morte. Que bela filosofia! Atrás da antiga sede está a atual, um prédio não muito maior, que nos ensina o grande lema da empresa: Keep it simple! Incrível saber que o whiskey americano mais vendido no mundo tem sua sede numa casa pequena que fica numa cidade minúscula. Segundo o Atlas Mundial do Whiskey, Lynchburg é a cidade pequena mais famosa do mundo.
Depois fomos conhecer efetivamente a produção. Por ser sábado, estava tudo parado, mas nada que evitasse a diversão. Vimos o processo de fermentação, da filtragem e, por fim, o estoque de barris. Aliás, a parte dos barris foi a mais legal pra mim. Eles produzem seus próprios barris e os utilizam apenas uma vez. Segundo o guia, depois vendem os usados para a Escócia para ajudar a produção deles hahahahaha. Esta é a parte mais artesanal da produção. O barril é feito de carvalho americano e não leva um prego. A madeira é aquecida na produção e libera um pouco do seu açúcar caramelizado. Depois de colocado no barril, o whiskey permanece lá por mais ou menos 4 anos. Eles são submetidos às mudanças do tempo: quando está quente o barril expande, permitindo que o líquido penetre na madeira adquindo sabor; no inverno, o barril contrai e expele o líquido e o sabor adquirido. Por estar em uma região de clima temperado e de mudanças bruscas, a interação é intensificada. O cheiro dos barris no estoque é indescritível, dá vontade de se esconder do guia e passar o dia lá. Como dizem na visita, o whiskey não é colocado no barril: ele é confiado ao barril.
Um dos argumentos da Jack Daniel´s é que o whiskey deles não é envelhecido, e sim, amadurecido. Acho que a estratégia serve para evitar o "rótulo" de whiskey 4-6 anos, tempo que fica no barril e que é bem menor do que o dos demais whiskeys. Após este período, que pode variar, um especialista analisa se o whiskey já pode ser envazado.
Durante a visita, passa-se por um Hall da Fama. Lá estão os nomes daqueles que se dispuseram a desembolsar de 9 a 12 mil dólares para ter um barril para chamar de seu. Com esse valor, você compra um barril selecionado por um especialista, geralmente aqueles barris que ficam no alto dos estoques e sofrem mais ações do tempo, intensificando o sabor. O barril enche 240 garrafas de Single Barrel que vêm personalizadas. Você também recebe o barril em casa e ganha uma tampa com seu nome, além de ficar estampado no Hall da Fama da destilaria. A destilaria também garante o aumento do número de amigos. Os grandes compradores do Single Barrel são as organizações militares, segundo o guia. Ótimo para um casamento também né. Eles entregam no mundo inteiro.
No final, chega-se à lojinha. Aliás, ainda não contei o detalhe mais importante da visita: a Jack Daniel's fica num condado onde é proibido beber, desde a lei seca americana. Isso mesmo, a maior destilaria americana e uma das maiores do mundo fica numa região onde beber é estritamente proibido. Minha cabeça brasileira demorou para entender como uma potência econômica como é a Jack Daniel's não consegue reverter uma lei local. Acontece que Lynchburg não tem votos suficientes para reverter a lei, numa região marcada pelo fundamentalismo religioso cristão.
Mas nada que atrapalhe o passeio. No final, compramos uma garrafada do Single Barrel e uma do Gentleman Jack, que passa duas vezes pelo filtro de carvão. As garrafas vieram com um selo de que foram compradas lá.
Depois da visita à destilaria, fomos a Lynchburg. É, sem dúvida, a menor cidade a que já fui. É só uma praça, com casas em volta. Para achar onde comer foi um sacrifício. Recorremos ao hamburguer. A loja com produtos da Jack Daniel's fica lá e é bem legal. Tem tudo que se pode imaginar. Ficamos só nos copos, mas dava pra comprar coisas pra casa inteira. Vendem, inclusive, pedações de barril.
A visita à Jack Daniel's foi mais do que um passeio. Para mim, serviu para mostrar que os valores em que acredito não são utópicos. Mesmo em cidades pequenas, mantendo as coisas simples, é possível criar um dos produtos mais conhecidos no mundo. Sem stress, com eficiência, sem se levar muito a sério.
Dá pra levar um desses pra casa a partir de 9 mil dólares
Estão aqui os ingredientes.
Escritório do Jack.
Maple tree com o tronco preto, como ficam todas as árvores em volta da destilaria.
Quem não queria trabalhar num ambiente assim?
Saindo da destilaria, com os produtos muito bem embalados...
Parabéns pelo post. Muito esclarecedor, divertido. Excelente linguagem. Gostei de ler.
ResponderExcluirMuito legal, to tomando um Jack agora, por isso vim pesquisar a respeito!
ResponderExcluirQue legal viu! :)