segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

De bicicleta para o trabalho

         
 
           Ir de bicicleta para o trabalho era um desejo antigo. Eu sou uma das pessoas que mais odeia trânsito e direção, mas isso não havia se traduzido em abandonar o carro em casa e pegar a bici para ir trabalhar. Tenho acompanhado o aumento da cultura da bicicleta em Assunção e adoro passear com ela nos finais de semana por aqui, mas foi o meu carro batido o empurrão que faltava para pela primeira vez ir pedalando pro trabalho.
             Os argumentos contra a bicicleta no trânsito são conhecidos, mas é possível rebatê-los com um pouco de boa vontade:
           1- O trânsito é perigoso para bicicletas
           Lógico que a frase é verdadeira e, por isso, o jeito é ir por ruas menos movimentadas e ter atenção redobrada nos cruzamentos. Minha estratégia é pensar que todo motorista é um maluco em potencial e que, por mais que desejemos igualdade no trânsito, dificilmente a bicicleta será respeitada como um carro. Não acho que adianta peitar, tem que se cuidar a cada esquina.
           2- Vou demorar mais pra chegar
            Foram exatos 15 minutos de casa pro trabalho na ida e 20 na volta. Agora preciso marcar com o carro, mas creio que não será muito diferente. Foram 4,7 quilômetros rodados. Com a bike de corrida pude pegar mais velocidade e mais vento, mas com a mountain bike pude pular obstáculos e isso compensou a velocidade menor.
           3- Vou chegar suando e fedido
            Essa era a grande preocupação que eu tinha, uma vez que a cidade é muito quente nesta época do ano e não há chuveiro na Embaixada. Saí um pouco mais cedo pra não pegar tanto sol e fui surpreendido positivamente pela capacidade do vento em não me deixar suar. Só suei mesmo na cabeça e nas costas, por causa do capacete e da mochila. Tomei um banho de gato no banheiro e pronto, resolvido.
            4- Eu trabalho de terno, não dá pra ir de bicicleta
            Vim pedalando com uma roupa esporte leve e coloquei o terno na mochila com cuidado para não amassar. O chato é arrumar a mochila e prestar atenção para não esquecer nenhum item do vestuário, pois a opção de voltar pra buscar é meio cruel. No segundo dia havia esquecido de por a gravata e voltei duas quadras para buscar. No terceiro, me distrai e quase pus o paletó descombinando com a calça. Também procurei chegar antes do Chefe, para não ser visto desfilando de bermuda no trabalho.
Minha bike na minha garagem. Dá pra ter ideia de quanto espaço um carro ocupa pra levar a mesma pessoa.
   Os argumentos contra são conhecidos, mas só mesmo andando de bicicleta para se lembrar dos elementos positivos.
        1- A sensação de fazer algo diferente
         Eu tenho a impressão de que nada é tão mecânico na nossa vida como a ida pro trabalho de carro. É a hora do dia que nosso piloto automático está no nível máximo. Poderíamos dirigir de olho fechado até. Quantas vezes já errei o caminho quando tinha um evento de manhã porque saí dirigindo automaticamente pra Embaixada! Ir trabalhar de bicicleta rompe com esse marasmo de um jeito muito divertido, que me remeteu às sensações de novidade da infância.
         2- A alegria de pedalar
         Bicicleta para mim lembra lazer e infância. Crescemos pedalando em momentos de alegria e diversão. É sempre em passeios ciclisticos, em parques, na praia, com a família e os amigos. Por mais que tenha usado a bici dessa vez como locomoção pro trabalho, a alegria se manteve presente. Vi esta charge e ela representa muito o que é dirigir x pedalar na cidade: 

    No trajeto,  dei oi para a vizinha e conversamos um pouco (no carro seria só uma buzinadinha né), passei pelo parque e gritei para o professor de tênis, que respondeu alegremente ao meu bom dia! Isso sem contar o aceno dos outros ciclistas, que se alegram de ver alguém na mesma aventura cotidiana. Esses simples e rápidos encontros têm o poder de animar e alegrar o dia. De carro, o máximo que conseguimos é ver através dos vidros o motorista ao lado tirando meleca do nariz enquanto espera o sinal abrir.
     3- Economiza dinheiro
     Foram economizados R$25 por dia em táxi só de ida pro trabalho, o equivalente a uns três livros legais que pude comprar na semana.
     4- Fiz exercícios.
     Essa é a parte mais óbvia e a que me deixou mais feliz, pois deu pra notar uma melhora, ainda que pouca, no meu ritmo de pedalada.
   Espero que essa minha fase de amor pela bike permaneça mesmo quando o carro voltar da oficina!

MInha amada bicicleta



Minhas duas paixões!
            

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Fuga das Ilhas 2013


       O mundo da natação sempre foi desconhecido para mim. Quando eu era bem criança, minha mãe foi me levar para a minha primeira aula e eu chorei tanto no caminho que ela desistiu. Lembro exatamente deste dia! Desde então, foram mais de duas décadas longe das aulas, mas de vez em quando nadando por recreação na piscina do clube ou em casa. Mesmo sendo fanático por esportes, nem nas olimpíadas eu me dedicava a ver as provas de natação.
       Um joelho estourado depois da maratona e a vontade de começar a fazer triathlon mudaram esse panorama e me interessei a começar a nadar. O empurrão que faltava apareceu quando duas amigas me falaram da Fuga das Ilhas, uma prova de 1.5K que iria acontecer dali três meses. Se tem uma coisa de que gosto na vida esportiva é de desafio.
        A primeira coisa que tinha que resolver era comprar material e me inscrever numa escola de natação. Coisas simples, mas que se você nunca fez na vida, viram um mistério. Depois de pesquisar, me matriculei numa escola infantil com aulas pra adultos e la fui eu pro primeiro treino.
          Logo na primeira aula achei que a meta a que tinha me proposto, de nadar 1.5k, estava muito longe da minha realidade. Não consegui nem fazer 50 metros direto na piscina, mas daí lembrei que nos primeiros treinos de corrida as distâncias maiores pareciam também inalcançáveis e resolvi confiar no que o treinador dizia.
            Depois de 3 meses de treino, chegou o dia da travessia . O que ajudou na minha confiança foi ter nadado 1.5k direto na piscina duas semanas antes, provando que seria possível cumprir aquela meta. Eu só tinha esquecido de um detalhe: me sinto muito mal no mar!
             Já tinha lido bastante sobre as diferenças entra nadar no mar e na piscina, mas por algum descuido não me fixei no fato de que o mar me deixa tonto, passando mal e com vontade de vomitar. Fui lembrar disso apenas na hora da prova, quando tivemos que nadar uns 200m para a balsa que nos leva para a ilha, de onde começa a travessia.
Atrás se pode ver a ilha na Barra do Sahy, de onde parte a travessia de 1.5K em direção a praia.
              Já na balsa comecei a sentir bem mal e foi inevitável lançar ao mar parte do café da manhã. Para economizar a nojeira deste post, comento logo que repeti a cena no mínimo 8 vezes durante a prova. Isso enquanto nadava! Por um lado, foi ruim perceber que nadar no mar me faz tão mal e que terei que treinar bastante esse ponto se quero mesmo um dia fazer Ironman. O lado bom é que o fato de ter passado tão mal e não ter desistido me fez provar mais uma vez que desistir não é uma opção. Acho que ter jogado rugby, mesmo com dor, me tornou mais tolerante para continuar até o fim das provas mesmo me sentindo muito mal. Foi o mesmo que ocorreu nos quilômetros finais quando corri uma maratona. A vontade era parar, ir pra casa e comer pipoca no sofá, mas pensava em tudo o que tinha feito para estar ali onde estava e não conseguia pensar em desistir. A Iza, que me acompanhou a travessia o tempo todo mostrando o caminho, dizia que estávamos chegando para me animar e eu acreditei nela, mesmo vendo a praia tão longe de onde estava rs.
               O que me aliviou foi saber que entre os participantes foi unânime a opinião de que o mar estava muito mexido naquele dia. Soube posteriormente, também, que a distância marcada pelos gps dos atletas apontava algo como 2k. Claro que isso varia porque há dificuldade em nadar em linha reta na água, o que faz com que cada um tenha nadado uma distância particular. Segundo o site da travessia, meu tempo foi de 48 min. Muito mais do que eu esperava, mas fiquei muito feliz de ter completado.
                  Eis algumas conclusões a que cheguei:

Antes da prova
- Muita gente reclamou da infra-estrutura de banheiro e estacionamento. Realmente o espaço da praia não é tão bom para receber tanta gente de carro, mas nada que chegar mais cedo não resolva.Ou então pagar os 50 reais cobrados pelos estacionamentos.
- Clima muito bom entre os participantes. Muito parecido com aquele das corridas de rua, com muita gente animada e de corpo bonito, com a diferença de que na natação eles ficam de roupa de banho.
- Fiquei observando a organização de um evento desse porte. Realmente é admirável! Se você for buscar no FB, verá muita gente reclamando, mas eu acho sensacional alguém que consiga organizar uma prova tão bacana, que envolve aluguel de 8 balsas, montagem de infra-estrutura na praia, cronometragem de tempo, resgate e apoio no mar e distrubuição de prêmios e medalhas a todos.
- O lugar é lindo! Antes da prova fiquei pensando como era privilegiado de poder competir naquela praia. Um das coisas de que mais gosto na corrida é justamente o fato de ser em espaço aberto, que me permite aproveitar a cidade. Neste caso, ver aquele pedaço de mar reservado para o esporte foi muito legal!

Durante a prova
- Eu estava reticente de ter que nadar acompanhado, mas minhas treinadoras não me deixaram ir sozinho por ser minha primeira travessia. Foi a melhor decisão!  Foi muito difícil nadar e me orientar ao mesmo tempo e graças à Iza pude me concentrar apenas em nadar (e sobreviver aos enjoos rs). Vi muita gente nadando pro lado e até pra trás e foi importante não gastar energia nadando pro lado errado.
-  O começo é realmente tumultuado. Impossível não esbarrar em alguém ou levar uma bordoada. É ruim porque era mais uma coisa para me concentrar: nadar, sobreviver aos enjoos, olhar a direção e tentar não bater em alguém ou não atrapalhar quem quisesse ir rápido. Muito parecido com o inicio de corridas de rua muito cheias, mas com o adicional de que na água você não vê bem a pessoa do lado e não deve parar o movimento. 
-  Passada a fase inicial, comecei a sentir o drama da força do mar. A sensação era de que eu estava nadando numa máquina de lavar. Meus óculos escuros me impediam de enxergar bem e durante uns 20 minutos minha natação foi uma confusão, o que me fez ter muitos enjoos e começar a vomitar.
- Nessa parte da travessia, já podia ouvir pessoas pedindo auxílio dos barcos. Nesse momento, foi importante manter o psicológico focado em nadar. Para quem nada sempre deve ser normal ouvir isso, mas confesso que não foi muito natural para mim ouvir gente pedindo auxílio no meio do mar. Era justamente no momento em que eu estava pior e o mar muito forte então mexeu um pouco com o psicológico. Resolvi continuar nadando. Lembrei do que ultramaratonista Scott Jurek fala no livro dele: tem horas que você apenas tem que continuar fazendo o que está fazendo, sem pensar muito.     
- Quando finalmente resolvi nadar sem óculos, tudo melhorou. Olhei pro lado e a cena foi muito bonita. Várias pessoas nadando em pleno mar, com um visual sensacional. Consegui manter o caminho reto e neste momento as ondas já estavam ajudando a chegar mais perto da praia.
- Uma alegria tremenda quando consegui pegar um jacaré! Economizou um bom tempo de braçada, mas depois veio uma onda maior ainda e meu deu um caldo que virei de ponta cabeça. Nessa hora pensei: ok Jesus, desisto, pode me levar!
- Terminei a prova com momento de muita alegria ao pisar da areia e voltar a caminhar. Havia gente da organização esperando os participantes e oferecendo ajuda médica para quem chegou cambaleando como eu!

Detonado, mas com medalha no peito #zuadomassemparecervulgar
 Apesar de todo o perrengue, minha sensação é de que quero ir na próxima. A natação tem sido um ótimo substituto para minhas corridas e adorei o clima da competição. Só preciso discutir o relacionamento direitinho com o mar na próxima vez.
Deixo aqui meu agradecimento à Amanda e a Izabela que me incentivaram desde o começo a treinar! Com a Iza me ajudando pude completar a prova e, se tenho alguma dica pra dar para quem fará sua primeira travessia, é: vá com alguém experiente! Obrigado treinadoras!

Iza, Amanda e eu com nossas medalhas. Amanda ganhou o 1° Lugar Geral Feminino!

Vitão completando a equipe Nada Caipira!
Medalha do Fuga das Ilhas fazendo companhia para as de corrida


Por fim, deixo vídeo do Luiz Lima que vi antes da prova e me serviu de inspiração:

http://www.youtube.com/watch?v=fx06-zvjCeQ










quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Porque sempre torço pro time pequeno. Ou o que é BIRGing?




Esta semana estava assistindo a um jogo de basebol e, como sempre, o time para o qual eu torcia perdeu. Fiquei com aquilo na cabeça. Por que será que sempre escolho o time mais fraco pra torcer?
Pergunte a uma criança, durante uma partida, para qual time ela está torcendo e a resposta será simples: para o que está ganhando! 
Claro, por que alguém torceria pra algo que vai perder? Viva a resposta das crianças! 
Tenho um amigo que se diz torcedor do Barcelona. Quando ele nos contou isso, demos muita risada da cara dele, porque como alguém de São José pode se dizer torcedor do Barcelona?! Mas no fundo, a resposta dele se assemelha a das crianças: se no esporte só existe a opção ganhar ou perder, por que perder meu tempo torcendo por um time que não tem as mesmas glórias do time catalão?
Fui procurar um pouco sobre a psicologia do torcedor e encontrei o conceito de BIRGing (Basking in reflected glory), que nada mais é do que a associação que um indivíduo faz com o sucesso de outro de tal maneira que aquele sucesso seja sentido como seu também. Esse termo foi estudado com base no comportamento de universitários norte-americanos após as partidas de futebol americano dos seus times. Na segunda-feira após os jogos, se o time ganhava, várias pessoas iam estudar com a camisa do time; se perdia, ninguém vestia peças associadas ao time. O que os alunos procuravam era se vincular ao sucesso do clube, mesmo que não tenham exercido nenhuma influência sobre o resultado.  Isso não é novidade pra ninguém, é o que fazemos sempre quando nosso time de futebol ganha. No fundo, tem a ver com a auto-estima do torcedor. Se o Palmeiras ganha do Corinthians, o Fulano que é palmeirense, mesmo que não saiba fazer 2 embaixadinhas e o amigo corintiano seja um craque, vai se sentir melhor que o rival, porque escolheu 11 caras para jogar e ter a glória por ele, o que não a conseguiria alcançar pelos próprios meios. 
O BARGing não serve só para esportes, mas para todo tipo de associação. Se você usa uma camisa da banda X, quer ser associado ao sucesso daquela banda, mesmo sem saber tocar uma campainha que seja. Se você põe uma foto sua com um famoso no Facebook, que ser vinculado ao sucesso que aquele famoso obtém na profissão. Eu, por exemplo, parei de jogar rugby, mas tenho o adesivo do meu time no carro, para me sentir vitorioso quando o time ganha, mesmo sem ter dado um tackle no jogo. 
Por que será que ficamos tão bravos quando o Brasil perde na Copa do Mundo ou um atleta brasileiro vai mal nas Olimpíadas? Porque nossa auto-estima como brasileiros foi duramente afetada. Acreditamos que os estrangeiros não nos verão (a todos brasileiros por associação) como vencedores, assim como gostaríamos de transparecer pro mundo. 
Não sou psicólogo, mas acredito que quanto menor a auto-estima da pessoa, mais ela depende da glória alheia para sentir-se bem e, conseqüentemente, mais fanático e intolerante ele se torna com a derrota. Por exemplo, nas últimas olimpíadas, reparei que os amigos que mais criticavam as "amareladas" dos atletas brasileiros eram justamente aqueles que menos habilidade tinham nos esportes. Faz sentido: não sabendo fazer nada no âmbito esportivo, mais eles dependiam de que alguém desempenhasse um bom papel para poder sentir uma glória. 
Será que não ocorre o mesmo no futebol? Acredito que sim. Se sua "vida" e alegria de viver dependem da vitória de um time, acho que há algo de errado com a sua vida. A auto-estima não pode ser tão baixa a ponto de depender da vitória alheia para ser feliz. Há pessoas, inclusive, que se tornam violentas durante o jogo, tamanho o medo de se ver diminuído socialmente no dia seguinte caso o time não vença.
Eu já me peguei fazendo este exercício várias vezes. Quando meu time perdia, começava a lembrar das coisas boas da vida: "tenho uma família feliz", "meu filho me ama", "tenho saúde", "tenho emprego", tudo para bombar a auto-estima e me fazer relevar a frustração que os 11 caras me proporcionaram ao não ganhar do time rival.
Ok, já entendi essa historia de BARGing, mas por que então torcemos para times que não ganham? 
Segundo a Dra. Sandy Wolfson, da Universidade de Newcastle, de cuja entrevista tirei boa parte do que escrevi, torcemos para um time mesmo que ele perca porque queremos provar que somos melhores torcedores do que os outros e, conseqüentemente, melhores pessoas, segundo nossa auto-estima. Pela falta de glórias, é muito mais difícil torcer pro São José do que pro Barcelona; logo, sou melhor "torcedor" do que aquele meu amigo, porque permaneço fiel, vou mais ao estádio, assisto mais aos jogos, etc.. É o que ela chama de "superioridade ilusória", que possuímos aos sentirmos como parte de um grupo que consideramos especial. Quem nunca viu um torcedor com a camisa do seu time na rua mesmo depois de uma derrota devastadora? Ele simplesmente quer passar conceitos de fidelidade, coesão de grupo, enfrentamento de adversidades com a cara erguida, etc..Uma das grandes acusações contra os torcedores do São Paulo é justamente esta, de que não vão aos estádios, só quando o time está bom. A intenção dos rivais é provar que são piores torcedores e não deveriam se orgulhar de ser sãopaulinos.
Como esporte não é simplesmente ganhar ou perder, a associação à certo time também está relacionada a outros conceitos que não apenas glórias ou fracassos. No meu caso, como o próprio nome do blog diz, gosto de associar-me à cultura caipira, do homem do interior. Por isso, acabo torcendo pros times que têm mais a ver com esse conceito. Geralmente, esses times não têm o mesmo poderio econômico e esportivo dos clubes das cidades grandes e, assim, dificilmente ganham alguma coisa. Mesmo assim, no meu inconsciente, devo acreditar que vale a pena torcer para eles, pois, quando ganham, é uma verdadeira vitória do David contra o Golias, vitória a qual gostaria de me associar. 
Respondidas as minhas inquietações esportivas sobre meu pé-frio, deixo a entrevista da professora Wolfson para quem quiser saber mais sobre o assunto:







quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A Primeira Maratona

Tão zureta que fiz 24 pra câmera, em vez de 42k

“Se você quer correr, então corra uma milha. Se você quer experimentar uma outra vida, corra uma maratona.”
Emil Zatopek


Correr uma maratona sempre foi um objetivo na minha vida, como são aquelas clássicas promessas de plantar árvore, ter filho e escrever um livro. Mas era um objetivo que nunca contou com nenhum planejamento sério, até eu começar a correr com a chegada dos 30 anos. Depois de abandonar o rugby e treinar de verdade para corridas de rua, o sonho da maratona foi começando a aparecer com mais claridade no horizonte e se realizou em 4 de agosto de 2013, precisamente às 10:11 da manhã, quando cruzei os 42k e 195 metros da Maratona de Assunção, após 3h11m54s de corrida.
Desde que comecei a treinar, sempre tive a maratona na cabeça. Em todas as provas e treinos que fazia eu só ficava imaginando como seria legal poder completá-la. Pois bem, depois da Meia Maratona de Assunção e da Meia das Cataratas em maio, me empolguei e quis adiantar os planos para poder correr a maratona de Assunção ainda em 2013. Creio que poderia ter esperado um pouco mais para fortalecimento muscular, mas o simbolismo de conquista que a corrida representava para mim falou mais alto e quis arriscar mesmo assim. Queria que minha primeira fosse aqui em Assunção, cidade em que comecei a correr. Havia também um fator prático muito forte, que era o fato de correr na cidade em que moro, já que sabia que estaria muito cansado depois da corrida. Correr a primeira em Nova Iorque, Berlim, ou Chicago seria muito legal, mas prefiro ficar destruído em casa do que num quarto de hotel!
Os treinos pré-maratona foram os mais divertidos até hoje. A sensação de sair de casa bem cedinho e percorrer boa parte da cidade é muito gostosa. Nos três treinos longos que fiz (21k, 24k e 32k), saí de casa às 7h no domingo e pude reparar em detalhes que nunca havia visto, tanto quando corri em São José dos Campos quanto em Assunção. Agora, eu era um daqueles caras que você, que teve que acordar cedo por algum motivo, vê correndo domingo bem cedinho na cidade e se pergunta: Por que esse idiota não está dormindo?
A ansiedade durante os treinos foi imensa. Já estava ficando mal-humorado porque não chegava logo o dia da corrida. Acho que o que eu queria mesmo era provar logo pra mim que eu podia completar os 42km. Como na semana anterior à maratona você tem que diminuir o ritmo de treino, isso só aumentava mais a vontade de correr.
Quando finalmente chegou o dia, lá está eu na largada para os meus primeiros 42K. Baseado nos tempos que vinha fazendo nos treinos e provas, imaginei fazer a prova perto das 3 horas. Objetivo bastante audacioso para minha primeira maratona, mas não deixava de ser próximo do ritmo que havia feito durante os treinos. O problema é que faltou combinar isso com os quilômetros finais...
Na largada, faltando uns 3 minutos pra começar, puxei papo com um brasileiro do meu lado. O Helbert estava na sua 15a maratona, a 5a em 90 dias. Perguntei como seria o ritmo dele e me falou que estava pretendendo terminar em 3h05. Fiquei meio sem graça de dizer queria segui-lo então, mas foi o que fiz logo no segundo quilômetro de prova. Ele foi muito gente fina e se dispôs a conduzir o ritmo da prova. Em troca, fui apresentando a cidade pra ele.
A primeira dica do Helbert foi: beba água em todos os postos de hidratação, mesmo sem sede! 
Ai estou eu seguindo a dica, logo atrás dele:



Os primeiros 10K foram num ritmo abaixo do que eu gostaria e fiquei me perguntando se deveria apertar o passo. Só ouvi um "não faça isso, vai se arrepender depois" do meu parceiro rs. Ok, segunda dica observada.
Terminamos a primeira metade com 1h32 pelo que me lembro, um ritmo excelente e dentro das expectativas. Nesta parte da prova, bem quando cruzamos o 21°KM, ultrapassamos uns 5 ou 6 corredores. O Helbert falou em tom de brincadeira "estes são corredores de meia maratona, daqui pra frente é que veremos quem é maratonista mesmo". Ali tinha começado a corrida psicologicamente. Eu estava bem, com o pé doendo um pouco na pisada, mas tive a certeza que iria completar aquela prova.
A partir do 25K, a prova voltava pro seu local de origem e teríamos que repetir praticamente todo o trajeto da primeira parte. Essa parte achei bem complicada, porque você consegue ter claramente na cabeça toda a distância que ainda há por percorrer e isso desanima um pouco.
As conversas foram ficando mais raras e me concentrava só em não diminuir o ritmo para conseguir acompanhá-lo e terminar a prova perto das 3 horas.
O plano estava saindo perfeitamente bem, até o 35K. Estava bem alimentado, com energia, disposição e nenhuma parte do corpo doendo muito. Porém, quando tive que fazer uma curva de 180°, mais conhecida como cotovelo, diminuí muito o ritmo e o corpo sentiu o cansaço. Segui o Herbet por mais 2Km e depois tive que diminuir e vi meu parceiro de corrida indo embora.
Do 36K até o final, tenho que confessar: a maratona não teve graça nenhuma pra mim. Cada pisada doía muito o pé e a batata da perna. A vontade de estar em casa no meu sofá era gigantesca.
Quando corria provas anteriores, na hora que a dor e o cansaço apertavam eu me concentrava no fato de que estava me preparando para correr uma maratona. Ficava imaginando como seriam emocionantes os kms finais e isto me confortava. Agora que estava justamente nos kms finais da maratona, nenhum pensamento conseguia me confortar. Tentei de tudo: pensei no meu filho, na família, na melhora de vida que tive correndo, na massagem pós prova...nada adiantava. No livro do Murakami, "Do que eu falo quando falo de corrida", ele diz que prometeu nunca mais correr uma maratona depois que terminou a primeira, de tão cansado que ficou. Eu, quando li, achei exagero, mas nestes kms finais fui além, prometi que nunca mais iria nem correr!
Quando treinava, achava que iria chegar triunfante "à la Rocky Balboa" na linha de chegada da maratona, mas não tive energia nem pra isso! Cheguei simplesmente acabado! O bacana foi que, assim que cruzei a linha final, lá estavam o Helbert e o Wellerson, os dois maratonistas que conheci na corrida, me esperando para parabenizar pela primeira maratona.

Na chegada, a emoção ficou por conta daquelas pessoas que acordaram cedo no domingo pra ver a maratona e, embora que você nunca as tenha visto na vida, torcem por você como se fossem da sua família. Lembro de gente gritando "Falta pouco", "Parabéns!!", "Você conseguiu". Isso foi de encher os olhos.
Terminei em 22° lugar geral,  5° na minha categoria. Foram 3h11m54s de maratona. Meu maior feito esportivo nesta vida!
Não quero desestimular ninguém, mas tenho que ser realista. No meu caso, o final foi bem cansativo. Meu colega de trabalho e amigo, Paulo, que estava gentilmente lá no final da prova, me viu recebendo massagem e disse:
-PC, vim aqui te parabenizar cara, não foi pra reconhecer corpo não!
Apesar de todo esforço e dor no final, na terça-feira, quando a dor passou, eu comecei a experimentar uma sensação de realização incrível. Voltei à adolescência! Eu olhava no espelho e dizia: Consegui! Corri uma maratona!
Fiquei muito feliz de ter cumprido uma meta na vida e muito agradecido por todos aqueles que me ajudaram em algum momento, especialmente meu treinador Henrique, que me tirou do sedentarismo pra maratona em menos de um ano.
Essa maratona foi tão especial, que até apareci na ESPN!

Agora é pensar no próximo objetivo!





segunda-feira, 13 de maio de 2013

Que tipo de herói queremos pros nossos filhos?


 Ontem, depois da Meia Maratona aqui em Assunção, conversei com um senhor que veio de Belo Horizonte para a corrida. Todo sorridente, ele estava esperando para ver se ganharia troféu na sua categoria, de maiores de 70 anos. Ele fez os 21km em 1h50 carregando um papel em homenagem a mãe, falecida há 16 anos. Depois de receber o troféu pelo segundo lugar, despediu-se dizendo que iria pro hotel se arrumar porque pegaria o ônibus ainda aquele dia para BH.
À tarde, fiquei vendo futebol enquanto lia no sofá. Depois da partida, um jogador, que não correu porra nenhuma o jogo todo, veio falar que o time perdeu porque foi prejudicado pela arbitragem. 
Provavelmente nossos filhos nunca saberão a história de milhares de pessoas como este senhor de BH, mas diariamente assistem na TV picaretas que ganham bons milhares de reais para colocar a culpa da derrota em algum fator externo.
Não quero cair no lugar comum de reclamar do salário dos jogadores de futebol. Se alguém ganha R$1 milhão por mês é porque provavelmente gera muito mais que isso ao seu contratante. O problema está em nós, que financiamos uma indústria que cria ídolos que não se esforçam como deveriam, passam o jogo inteiro querendo enganar o juiz e nunca assumem a culpa da derrota e a grandeza do adversário.
(Nem vou comentar a fábrica de "heróis" e "guerreiros" televisivos como BBBs, filhas da Gretchen e tantos outros porque já é idiotice demais para levar em consideração. Vamos falar de esporte.) 
Vale ressaltar que o problema não está no futebol em si, o esporte mais amado do mundo, incontestavelmente. O problema está no foco que estamos colocando neste esporte. Precisamos de mais valores dentro de campo e menos zoação na segunda-feira da firma. O fato de o comentarista de arbitragem ser um dos principais atores da transmissão mostra que algo está errado atualmente.
Comecei a relativizar os ídolos do futebol logo depois da minha primeira partida de rugby. Chega a ser patético você todo quebrado, machucado e esfolado em nome do time amador da faculdade ver um dos milionários do futebol sair de maca do gramado porque fingiu que machucou a canela.  Eu perdi o estômago pra isso. 

Durante minha curta vida rugbística, vi muitos amigos dando uma raça absurda pra jogar, às vezes sem o preparo  necessário, mas com o máximo de amor por uma equipe que você possa imaginar. E posso afirmar que isso ocorre em todos os níveis, desde as equipes universitárias até a seleção brasileira. Se cada um soubesse o que os jogadores da seleção de rugby fizeram para ela estar nessa margem de crescimento atual, teriam vergonha de ver gente pedindo autógrafo pro Neymar. 
Um dos meus traumas de infância foi não ter recebido nenhum aceno do Zetti quando ele foi jogar pelo Palmeiras em São José. Lembro que era pequeno e chorei pra caramba. Pois bem, estes dias estava lendo sobre a Ultramaratona de Badwater, que acontece no Vale da Morte, na Califórnia, e percorre 217 km numa temperatura média de 45°C! Qual não foi minha surpresa ao descobrir que o recordista da prova era um brasileiro, Valmir Nunes! Descobri o email dele e resolvi escrever parabenizando-o. Eis a resposta dele:

Boa tarde, Paulo
Obrigado por suas palavras. A corrida é apaixonante. Continue treinando. 
Sao pessoas como voce que me fazem continuar em busca de meus sonhos.
Grande abs
Valmir

Esse tipo de ídolo que quero pro meu filho!
Quantas vezes nas corridas me deparei com gente que tinha tudo pra reclamar da vida, mas achou melhor seguir em frente. Toda vez me emociono ao cruzar com cadeirantes, com aquela mãe de São José que leva a filha com paralisia em todas as corridas, com pessoas mais velhas que resolveram não se entregar ao sofá. Lembro que o motivo que me levou a correr é tão menor do que o dessa gente e isso me dá ainda mais gás para sempre dar o meu melhor, porque esses caras sim são heróis pra mim.
Quando levei o Ale pra competir a primeira vez, ele estava meio preocupado e me perguntou:
-Papai, mas se eu não ganhar?
Daí respondi:
-Ale, a única maneira de você me deixar triste hoje é se você não se esforçar. A vitória ou a derrota é indiferente se você der seu máximo.
Não importa o esporte que ele resolva praticar, quero que ele siga exemplos como este, de não reclamar e seguir em frente:


Para terminar este desbafo contra heróis fajutos, conto que a Meia Maratona de Assunção teve vitória brasileira. Esta é a imagem da chegada, quando Alexandre Elias esperou seu colega de equipe para cruzarem juntos a faixa de chegada! Treta demais!
Provavelmente você nunca teria ouvido falar dele, mas certamente viu alguma imagem de impedimento mal marcado esta semana.

 
  Obs: a corrida tinha prêmio em dinheiro!

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Lá na casa do meu vô




     Hoje me deu saudade da casa do meu avô e passei o dia lembrando do que tinha lá.
     Quando íamos pra casa do meu vô, em Itajubá, passávamos por Guaratinguetá, e meus dois irmãos se abraçavam dizendo que só quem nascia lá poderia se abraçar. Eu sempre chorava, e meu pai me consolava falando maravilhas da minha cidade e dizendo que São José era bem melhor. Isso me acalmava e eu parava de chorar. Isso explica muita coisa.
     A casa do meu avô ficava bem no começo de Itajubá, para minha sorte, porque eu sempre passava mal na serra. Depois da fábrica de armas, passávamos uma campinho de futebol numa praça à esquerda e pronto, bastava virar no SupergásBras e parar na casa de cerca branca na esquina da direita.
    Era abrir o portão e correr pelo caminho no jardim para ganhar o primeiro abraço do Zé Braga e da Dona Laura. Meu pai ouvia o "Fez boa viagem, filho?" - que eu ouço agora quando chego no aeroporto- e descarregava as malas.
    A casa do meu avô quase nunca estava vazia, sempre havia um parente batendo papo ou esperando nossa chegada. 
    Para nós, crianças, havia Yakult, Babaloo e Sonho de Valsa à vontade, mas escondido no móvel de madeira da cozinha.
   Logo quando chegávamos, o primeiro programa era ver a horta que ele mantinha. O forte era a couve, que vendia para quem passasse na rua, mas havia de tudo. No terreno ao lado da casa, meu vô plantava as árvores maiores. Hoje, ao ver o sacrifício que minhas mudas fazem para crescer em frente de casa, entendo o orgulho que meu vô tinha ao mostrar como estava alto o pé de limão, de banana, de mexerica, etc... O limão era o galego, o melhor para espremer no feijão com arroz que minha vó fazia. Neste terreno, uma vez meu vô criou um porco, que chamamos de Zetti. Lembro muito dele e um dia terei outro porco pra chamar de meu.
    Lembro de outras plantas marcantes. No centro do quintal havia uma palmeira, que continha em seu tronco todos os nomes dos primos rabiscados. Havia um pé de figo, cujo doce minha mãe adorava. A parreira, que veio um pouco mais tarde, produzia os cachos de uva mais doces que já provei. Era parente da parreira que tinha na tia Sirley, minha madrinha, cuja produção era impressionante.
    Na entrada da casa havia um pé de romã e as roseiras da minha vó. Que delícia comer o romã descascado direto da mão do meu avô. Lembro que as rosas eram enormes também, talvez porque eu fosse pequeno, mas a vermelhidão delas era certa. Quando saio pela rua de bicicleta hoje em dia e me deparo com casas bem simples com esta combinação de pé de romã e rosas meu cérebro emite um alerta: isto é casa de vó.
    Para terminar a parte da horta, havia uma árvore com uma pedra presa entre os galhos. Aquilo me fascinava. Diziam que ela nunca sairia de lá. Eu juro que tentei minha infância inteira puxá-la, mas acho que nem o rei Artur conseguiria.
   No espaço em que só havia grama, podíamos jogar bola. Eu, irmão mais novo, era sempre o goleiro. Fui Zetti e Veloso no quintal do meu avô. Jogávamos também no portão da distribuidora de gás, mas o barulho era demais pra quem estava lá dentro trabalhando.
   Quando a grama estava alta, meu avô abria o portão e um cavalo fazia as vezes de jardineiro. Era fascinante aquele animalzão dentro do quintal do meu avô. Combinava com minha camiseta de cavalinhos da foto.
   O café da tarde era sempre cheio de gente e podíamos rever os tios e primos de longe. Café doce e biscoito de polvilho. A coca-cola era de vidro e bem gelada. Depois dos salgados, meu avô descascava cana pra gente. Quando queríamos sorvete, ele arranjava um pote escondido no quartinho e ia buscar na sorveteria perto da rodovia. Até hoje peço sorvete de chiclete nos lugares por causa daquele sorvete que tinha perto da rodovia.
   Na casa do meu avô tinha um corredor, com aquela tradicional foto antiga de casal, com ele e minha vó. Eu dormia no último quarto com meus pais. Meu vô acendia um abajur no chão perto da porta para não dormirmos no escuro. No frio, minha vó punha tanta coberta em cima da gente que quase não dava pra virar na cama, mas era uma delícia dormir naquele frio de Itajubá. A gente dormia depois de comer a sopa da minha vó e de assistir ao jornal nacional, que meu vô via de boné porque a luz da sala atrapalhava. Minha vó beijava o retrato da minha bisavó e ia dormir. Às 6h eles já estavam de pé.
   Na casa no meu avô tinha cadeiras na varanda pra ver o movimento da rua. Meu vô me punha no colo e cantava "Serra Serra Serrador" e eu segurava forte na mão dele para não cair no chão quando ele me balançava. Foi nessa cadeira que ouvi pela primeira vez, talvez com uns 10 anos de idade, que eu seria diplomata. Foi meu pai falando pro meu tio Elpídio. Lembro como ontem.
   De um lado da cadeira havia um rádio velho que pegava estações do mundo todo, mas o que tocava mais era moda de viola, que aprendi a gostar desde essa época da vida. Do outro lado, uma bicicleta do tipo camelo que meu vô usava pra ir à feira. Na parede, passarinhos por todos os lados, a sua grande paixão. Na casa do meu vô, pintassilgo era o rei e os pardais, o diabo. Meu vô tinha uma arapuca para apanhar rolinhas para nós vermos de perto. 
   A parte mais legal da casa, para mim, era o quartinho onde meu vô "tratava dos passarinhos". Acho que nunca vi minha vó lá dentro. Era um quartinho masculino, com ferramentas, gaiolas, ração pra pássaros, fumo de rolo e pinga. Era lá que ele preparava seu cigarro de palha e tomava uma dose de pinga. Como eu era criança, eu só podia cheirar a pinga. Quem experimentou afirma que havia uma pinga inigualável, cuja única identificação era a palavra "amarela" escrita num pequeno adesivo.
   Tinha dia que meu vô levava meus irmãos e meus primos para passear no morro e contava história de terror. Eu não podia ir, mas sempre soube que eram das mais amedrontadoras.
   Meu avô, já com mais idade, batia papo com conhecidos na rua e depois perguntava para minha vó: “Qual é esse com quem conversei agora, Laura?”
  Meu avô mostrava as veias da mão e dizia que seu sangue era azul, porque era descendente da realeza. Como era azul mesmo, eu acreditava. Dos pais do meu avô eu sei pouco, só que eram da roça em Brasópolis-MG. Nunca tive muita curiosidade de pesquisar. Talvez porque um dia, quando fui com meu vô cortar cabelo no nosso primo Geraldinho, que era fissurado pela genealogia da família e não parava de fazer perguntas sobre isso, meu vô disse:
- Ô Geraldinho, nós somos todos índios, agora corta esse cabelo logo!
 Hoje, perto da casa do meu vô, há uma rua com nome dele, mas o que importa é que, no fundo, sempre seremos índios, pois a nobreza ele nos mostrou que vem do coração.