terça-feira, 9 de junho de 2015

Ironman Brasil 2015- Relato

Assim como tudo relacionado ao Ironman, o desafio de escrever sobre a prova também parece grande. Eu podia simplesmente começar o relato às 7h do dia 31/5 e contar o que houve nas 11 horas e 50 minutos que demorei pra cruzar o pórtico de chegada, mas o dia da prova, pra mim, foi apenas o final feliz de uma jornada que começou bem antes.

Não lembro direito qual foi o dia em que enfiei esse projeto na cabeça. Sei que foi pouco depois da maratona de Assunção, em agosto de 2013. Parece que, uma vez maratonista, eu tinha que ir pra próxima fase do jogo. Havia apenas três pequenos empecilhos: eu não tinha bicicleta, eu estava com o joelho machucado e, apesar de saber nadar, nunca tinha tido aula de natação. O que aconteceu a partir dessa decisão foi a fase de auto-conhecimento mais incrível que já vivi.

A natação eu comecei me inscrevendo na escolinha "Burbujitas", mais perto de casa (infelizmente as outras duas escolas, a "Peixinhos de Jesus" e o "Cocrodilo" ficavam mais longe rs). Este foi, sem dúvida, o capítulo mais difícil do Iron. Aprender a nadar depois de velho é dureza. Quase morri nos primeiros 25 metros atravessados na raia, em setembro de 2013. Se em maio de 2015 eu pude nadar os 3,8kms do Iron (que no Garmin foram 4,2km) eu devo agradecer a Iza, minha namorada, e ao Enzo, meu treinador. Durante essa preparação, a Iza me levou para várias travessias e isso foi fundamental para que tudo ocorresse bem. Ve-la nadando os 24km da 14 Bis me deu o estímulo necessário para sempre ir além nos meus limites. Mas não foi tudo um mar de rosas. Passei muito mal, vomitei nas travessias e duvidei muito de mim. Uma vez, no Rei do Mar, fui me atrever a fazer o Challenge, de 4km, e vomitei 7 vezes durante a prova. Terminei a prova chorando que nem criança, triste de achar que o projeto ia por água abaixo (ok, vou parar de trocadilho).  Até o segurança veio tentar consolar, dizendo que admirava o que havia feito. Mesmo no Ironman 70.3 de Brasília, a pouco mais de uma mês do Iron, eu ainda não estava confiante na natação. Os 1,9km em Brasília foram sofridos pra mim e não me imaginava dali um mês nadando o dobro, mas as palavras do Enzo ficaram na minha mente: "sua cabeça estava focada em nadar 1,9k, por isso os 3,8 pareciam impossíveis. No dia do Iron ela estará focada em 3,8k".  E foi justamente isso que aconteceu!
obs: único arrependimento nesta parte foi não ter treinado ao vivo com alguém corrigindo minha técnica. É o que quero melhorar daqui pra frente. 

A bicicleta foi outro desafio. Não o pedal em si, porque nunca deixei de andar, pelo menos recreativamente. O maior problema é saber qual bicicleta comprar, onde investir melhor dinheiro, como montar e desmontar a bike, etc.. Em Buenos Aires, contei muito com a ajuda do Martin, da loja de bicicleta do meu bairro, que além de cuidar da manutenção me ensinou muito sobre os peças. O Beto, meu amigo de São José, também me encheu de dicas em na prova de Foz. 
Os treinos, estes sim foram dureza. Como aqui sempre treinei sozinho, não quis me arriscar nas estradas. Então fiz todos os treinos no circuito KDT, uma pista com uma volta de pouco mais de 1km. Teve dia de 120km, 150km e até o máximo de 180km, sozinho, dando 180 voltas de 1km. Se a monotonia foi grande, pelo menos o cérebro ficou treinado e o dia da prova com todas as belezas naturais de Floripa foi mais tranquilo. 

A parte da corrida era a que eu mais tinha familiaridade. Tinha corrido minhas duas maratonas muito bem, com o melhor tempo de 3h11 em Assunção. Meu desafio foi acostumar a cabeça à diminuição do ritmo na corrida. Se antes eu corria com o pace perto de 4min, agora sofria para manter nos 5min. Senti na pele o que lia nos blogs, que a corrida sozinha em nada se compara à corrida do triathlon.

Rumo a Floripa!

As semanas que antecederam a prova foram um misto de ansiedade e receio. Ansiedade porque depois de 1 ano e meio o dia estava chegando. Receio porque com a diminuição dos treinos comecei a sentir uma dor incomoda no tendão do pé e como não podia mais treinar muito forte, não conseguia saber o grau que a dor realmente tinha. Tentei gelo, massagem, remédio e nada. Junto com isso, tive gastrite e alergia na semana anterior e até injeção levei. Tentei me acalmar, pois acreditei que era tudo mimimi do corpo querendo fugir da raia. Mas até o mimimi foi intenso, tá louco. 

O voo de Buenos Aires pra Floripa já me fez entrar no clima da prova. Contei mais de 30 bikes no desembarque. Segundo a organização, eram quase 200 argentinos. 
Haja bike!
Chegando em Floripa, conheci o pessoal da assessoria do Enzo Amato, meu treinador. Conheci o Enzo procurando algum técnico na internet que passasse os treinos à distância. Eu estava treinando com o Henrique Dantas, amigo e ótimo treinador que me deu toda a base da corrida, mas quando falei a ele que iria começar no triathlon, ele me disse com toda sinceridade que deveria procurar alguém que pudesse me ajudar com a natação e o ciclismo, pois ele ainda não tinha a experiência nessas modalidades. Assim, pesquisando na internet, conheci o Enzo e logo de cara gostei da sua filosofia. Desde o início de 2014 comecei a seguir as planilhas que ele me enviava por email. Fui conhece-lo pessoalmente apenas no dia anterior a prova em Floripa. Falei pra ele: você manda na minha vida ha mais de um ano e nunca havíamos nos visto!
Ter a confiança nos treinos que o Enzo me passou foi fundamental para a preparação. Agradeço demais por ter tido um técnico tão competente e compreensivo durante esta jornada! 

Na sexta-feira anterior à prova, fizemos uma reunião em que cada um repassou a estratégia que adotaria na prova e com as dicas dos mais experientes pude planejar melhor o que fazer no domingo. Sempre treinei sozinho e estar em equipe numa prova tão importante assim foi muito legal, pois pude dividir minha ansiedade e aprender novos detalhes. E quando falo detalhes, parece besteira, mas até com que mão segurar o relógio quando sair da natação é objeto de análise e planejamento.

Um frase que ouvi do Enzo na reunião me acompanhou durante toda a prova e fez a diferença pra mim: treinado vocês estão para completar, podem confiar. Vai bater o cansaço e surgir a dúvida, mas lembre-se que vocês estão treinados pra isso. 

O sábado foi dedicado à família em Floripa e em ajustar os últimos detalhes da prova. É impressionante a quantidade de pessoas que você vê treinando há poucas horas da prova. Fui entregar minha bike às 18h30 do sábado e havia gente correndo, pedalando. Minha estratégia foi descansar ao máximo.

O momento de maior tensão foi a noite de sábado. Nunca tive problema pra dormir, mesmo em dias importantes. e às 21h já estava deitado, pronto pra dormir, mas nada de o sono aparecer. Foi batendo um desespero. Já era quase 23h e comecei a contar quantas horas me sobraria de sono, uma vez que o despertador estava pras 3h45 da manhã. O desespero foi crescendo, acordei a Iza, reclamei, chorei e nada. Comecei a ler pra ver se o sono vinha e quando vi já tinha lido 70 páginas. Preferi não olhar pro relógio, mas acho que só fui dormir depois da meia-noite. 

A Prova

De repente, o dia com o qual sonhei a mais de um ano chegou. Imagina você acordar, dormir, comer, treinar e descansar mais de 500 dias só pensando no dia 31/5 e assim, como quem não quer nada, ele chega.

Lá fomos nós em grupo pra prova. 5h30 da manhã e já estávamos em Jurere, e a prova só começa as 7h. Essa 1h30, que parece muito, voa como se fossem 5 minutos. Última revisão na bike, colocar a roupa de borracha e rumo à praia. 

Sempre fiquei muito nervoso antes de competição. Vou no banheiro umas 50 vezes, mas nesse dia uma paz celestial parece que invadiu o meu corpo. O alivio de saber que o dia tinha chegado me acalmou. Estava, além de tudo, muito feliz! Dei um beijo na Iza e pensei: quando encontrá-la de novo, serei um Ironman!

A natação foi mais tranquila que imaginei. Como não tenho nenhuma ambição de tempo, me preocupei em nadar sem passar mal nem me perder muito. Saí do mar com 1h22 e muito feliz. Lembrei de como temi por essa natação e sair inteiro dessa parte deu um gás. Na hora da transição para o ciclismo, quem nada mais fraco como eu tem aquela sensação de chegar no terceiro dia de promoção de bicicletas do Carrefour: ainda tem algumas, mas maioria já foi embora. Fiz tudo tranquilo, com o pensamento de que era mais importante meu conforto do que alguns minutos salvos na transição.

No ciclismo, o lindo percurso ajudou a passar o tempo. A monotonia dos meus treinos em pista foram muito úteis nessa hora. Tudo ia bem até o km 100, quando o cansaço deu seus primeiros sinais. Na minha inocência, achei que a dor e o cansaço só apareceriam na corrida, mas meus colegas de equipe me alertaram que já na bike você começa a sentir. Mantive um ritmo acima do que estava esperando e fui bem até o km 170, quando desejei estar tranquilo no meu sofá comendo pipoca. A dor da posição do corpo na bicicleta beirava o insuportável e o pensamento de que ainda haveria uma maratona pela frente me fez ter vontade de ir embora pra casa.

Ao entregar a bike após 180km, um misto de alivio e desespero. Alivio porque são tantos os problemas que podem aparecer no ciclismo, que entregá-la inteira, sem pneu furado e nada quebrado é uma benção.  O desespero era pelo fato de que teria 42km de corrida pela frente. O que me fez começar a correr foi, sem dúvida, a frase do Enzo: treinado você está! 
Bom, já que ele diz né, vamos lá.

A corrida começa em direção a Canasvieiras e logo nos primeiros 5 km têm duas subidas terríveis, Nem me arrisquei a correr, subi andando mesmo. Estava indo tudo bem, a dor no calcanhar estava controlada graças ao remédio que meu irmão me deu nos dias anteriores. Estava indo bem, feliz de estar correndo. O problema foi que as subidas e paradas de Canasvieiras me puseram pra baixo. Estava correndo a 5m30s de pace e caí pra 8min. Bateu uma baita tristeza. Queria fazer a maratona sem sofrimento, queria terminar correndo, Poderia ser devagar, mas queria correr e não estava conseguindo. Nessa hora pensei: ferrou, vou terminar andando tudo isso! Foi aí que parei num posto de hidratação, comi meu gel, sal, laranja, e tomei pepsi tudo de uma vez. Acho que meu cérebro pensou: eita porra, esse cara quer correr mesmo! Nessa hora eu renasci e voltei devagar, até encaixar o pace de 6min, que levei até o fim da prova quase. Encontrei os amigos da assessoria que me deram o incentivo que faltava para animar e por o corpo em luta de novo!
A parte da corrida é muito interessante, porque você consegue prestar mais atenção no ambiente. Tem gente que parece que está acabado, passa 20 minutos e ela te ultrapassa como se fosse o Usain Bolt. Tem hora que você desanima demais, hora que reage e ultrapassa quem acabou de passar por você. O legal do Iron é que você sabe que aquela pessoa que você está vendo também passou por muitas coisas para estar ali com você. Ninguém está ali por acaso, são histórias e mais histórias de vida e superação.

Parei de olhar o relógio lá pelo km 30. Meu pace estava caindo e não queria me pressionar mais. Não tinha mais idéia de quanto tempo de prova nem da minha velocidade. Achei melhor ignorar os parâmetros e focar em continuar correndo. Tentei ignorar também o tiozinho que vendia pipoca e quentão ao lado da prova com um cheiro filho da puta de gostoso enquanto eu só tinha gel pra comer.

Encontrei o Enzo duas vezes na maratona. Na primeira vez, ele pareceu saindo de trás de um poste e me senti um dos integrantes da Caverna do Dragão vendo o Mestre dos Magos. Na última vez que o vi, já estava no km 40 e pude agradecer todos os treinos que me fizeram chegar até ali. É impressionante o gás que te da ouvir palavras de incentivo. Assim foi também em cada vez que passei pela Iza e por sua família! O carinho que tiveram por mim só podia ser retribuído com ainda mais dedicação.

O último quilometro da maratona é realmente sensacional. Ao mesmo tempo em que prometia nunca mais fazer isso de novo, sentia um orgulho imenso e uma gratidão pela minha saúde e por poder estar ali, a poucos metros de virar um Ironman.

Entrei no tapete procurando encontrar a Iza e sua família e tentando ler a tal sonhada placa: You`re an Ironman! Quando vi o relógio marcando 11 horas e 50 minutos fiquei ainda mais feliz, porque esperava fazer um tempo muito maior. Sempre me imaginei chegando chorando neste pórtico, mas a alegria tomou conta do meu corpo e foi tudo tão surreal que eu só queria sorrir!



 São tantas as pessoas a agradecer por ter cumprido este objetivo que farei um tópico a parte!












3 comentários:

  1. AH! ENTENDI A RAZÃO DO SUPER PC ANDAR SUMIDO DO BLOG! SHOW! PARABÉNS!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Que legal PC, saiba que essa conquista é motivo de orgulho para seus amigos! Um abraço

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